Название | Hipnose |
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Автор произведения | Maria Inês Rebelo |
Жанр | Языкознание |
Серия | |
Издательство | Языкознание |
Год выпуска | 0 |
isbn | 9789898938893 |
O consultório de Marcus Belling funcionava num prédio antigo, entre os muitos que tinham sido construídos durante o século XVIII na principal avenida da cidade. Ao longo de dois quilómetros existiam aqui inúmeros cafés e restaurantes, esplanadas repletas de pessoas, e sobretudo, muitas fontes de água que eram verdadeiras preciosidades arquitetónicas. Para além de tudo isso, não muito longe do n.º 27, ficava localizada a estátua da Fénix que tinha sido mandada erigir no início do século XX: um enorme pássaro parecia levantar-se do chão, para depois levantar voo. Ao seu lado, numa espécie de pia, encontravam-se as suas cinzas, que significavam o seu renascimento. Há muito tempo que a jovem Anne Pauline andava à procura da sua identidade e precisava desesperadamente de saber o que tinha acontecido no seu passado. O homem que lhe aparecia todas as noites há muitos anos em sonhos, quase que lhe tinha exigido que ela regressasse ao seu passado. Por outro lado, ele tinha-lhe destruído a sua confiança interior, fazendo-a duvidar da pessoa que ela era realmente. Ela precisava de se reerguer, tal como o pássaro da Fénix.
Desta forma, ao caminhar em direção ao consultório de Belling, Anne Pauline parou em frente à estátua para admirar a sua arquitetura. A pintura que cobria o pássaro já se tinha desvanecido com o tempo, tendo permanecida intacta apenas a força da pedra, uma metáfora para mostrar que era sempre necessário confiar num futuro melhor. A jovem respirou fundo e encontrou ali alguma esperança para si mesma, tal como quando observava a “Ilha dos Pássaros” na sua praia.
A Avenida do Sol, larga e esplêndida, era a principal artéria da cidade. Sendo uma avenida entusiasmante, repleta de cafés e restaurantes, era frequente ver aí sentados Belling e Sofia Estelar a conversar. As mulheres que reconheciam o famoso hipnotizador aproveitavam esta sua aparição para pedir autógrafos e tirar fotografias, o que apenas incomodava ainda mais a sua secretária pessoal. Sofia Estelar era mais do que uma confidente próxima. No fundo, a sua relação próxima com Belling tornou-a quase como uma amante dissimulada que não podia expor os seus verdadeiros sentimentos, ainda que quisesse. A verdade é que Marcus Belling não imaginava que algo de intenso a pudesse estar a consumir, mesmo que trabalhasse com ela diariamente.
Talvez por tudo isto, Sofia Estelar exagerava nos pedidos que dirigia às mulheres que pretendiam ter uma sessão de hipnose com Belling. «Tudo isto tem caráter obrigatório», dizia ela obrigando-as depois a preencher papéis intermináveis quase para as fazer desistir dos seus propósitos. Existia nela algo de manipulador, difícil de controlar. Apesar de tudo, ela conseguia filtrar os casos prioritários, distinguindo os casos urgentes daqueles que não o eram, apercebendo-se sobretudo, dos meros curiosos que vinham apenas saciar o seu gosto pela fama. Mas a astúcia de Sofia Estelar não era verdadeiramente conhecida por Belling que se escondia por detrás da sua característica capa de ingenuidade, para justificar o seu desconhecimento relativamente à abordagem que existia no consultório, por parte da sua secretária.
Anne Pauline tocou ao meio-dia à campainha do n.º 27 da Avenida do Sol. Perante o silêncio, tocou uma segunda vez. O sol e o calor pareciam ter amolecido as pessoas que agora caminhavam de forma dolente pela avenida, quase como se pressentissem a revolução que estava prestes a ocorrer. Naquele momento, as cores vermelha e dourada que ainda resistiam da estátua da Fénix acentuaram-se como se o pássaro quisesse tomar vida e voar. Seguidamente, como acontecia duas vezes por dia, o mecanismo elétrico que existia dentro da estátua fez acionar o movimento das placas onde se encontravam as cinzas, de onde agora corria uma água límpida e fresca. Subitamente, a estátua tinha-se transformado numa fonte de água.
Entretanto, enquanto Anne Pauline esperava que Sofia Estelar lhe abrisse a porta, algo de muito importante para a sua vida estava a acontecer, naquele preciso momento, numa outra zona da cidade.
Georgine Gunderson era bibliotecária há muitos anos e, naquele dia de verão, tinha sido chamada pelo diretor de arquivos da biblioteca municipal. Não medindo mais de um metro e sessenta, de olhos verdes escuros e rosto oval, recebeu a informação que tinha sido destacada temporariamente para a antiga biblioteca nacional, já extinta. Seria assim a única funcionária permanente daquelas instalações, abandonadas há mais de sete anos. O antigo edifício da biblioteca, do século XIX, albergava agora encomendas e livros que, por motivos logísticos, não podiam ser guardados noutros locais da Câmara por falta de espaço. Era um espaço antigo que tinha funcionado como repositório dos mais importantes catálogos da cidade e que se encontrava fechado há vários anos.
Georgine Gunderson não compreendia a razão pela qual tinha sido colocada naquelas funções, extremamente solitárias e aparentemente inadequadas à sua experiência profissional. Por momentos, pensou que o seu segredo mais íntimo tinha sido revelado. Sim, ela tinha um segredo. Existia ainda outra hipótese; talvez as suas investigações fora do horário de expediente para descobrir a verdadeira história da Avenida do Sol, tivessem incomodado as suas chefias, sendo esta a forma encontrada, de se voltar a concentrar no seu trabalho. A verdade é que, neste dia, ela era oficialmente a única funcionária destacada pela Câmara para arquivar livros na extinta biblioteca.
– É apenas um espaço temporário. Precisamos de alguém que, por agora, nos possa ajudar a dar alguma arrumação ao que ainda lá se encontra naquela biblioteca. Hoje chegou uma encomenda importante. Preciso que a Georgine vá até lá e ajude a arrumar os livros que vieram hoje. Vai lá ficar durante os próximos nove meses. Depois disso, volto a colocá-la como funcionária permanente na nova biblioteca, prometeu-lhe o chefe.
Ela nada podia fazer. Relutantemente, Georgine Gunderson foi naquela manhã para a rua onde ficava localizado o edifício da biblioteca antiga. À sua espera, num pequeno camião, estavam várias caixas de livros que foram trazidas para dentro das instalações. Com cuidado, todas as caixas foram colocadas em cima de uma antiga mesa, hoje coberta de pó. Algo naquele espaço a assustava. Georgine não gostava de ser a única pessoa a trabalhar naquele lugar inóspito, atualmente fechado ao público.
Cuidadosamente, a bibliotecária abriu todas as caixas que lhe tinham chegado naquele dia. Todas elas tinham sido numeradas pela Câmara. Não sabia de onde vinham aqueles livros e essas explicações nunca lhe foram dadas. Foi assim, com bastante alívio, que após duas horas de trabalho, abriu a última caixa daquele carregamento: a BO18. Lentamente, com muito cuidado, começou a colocar os livros nas prateleiras. Georgine Gunderson não sabia, mas naquele dia, fora destacada para guardar um segredo. Segredo esse que ela teria de manter em segurança durante os próximos nove meses, de acordo com as orientações dadas pelo seu chefe. Entretanto esperava-lhe muito trabalho.
Os nove meses significariam muito, tanto para Anne Pauline, como para Georgine. Sem que as duas pudessem ainda adivinhar, os seus destinos acabariam por se cruzar. Isto porque, embora Georgine Gunderson não estivesse habituada a guardar segredos porque ninguém os confiava (não por falta de confiança, mas porque ela era uma pessoa invisível aos olhos dos outros), a verdade é que ela guardava agora uma verdade inconveniente acerca da nova paciente de Marcus Belling. Sem o saber ainda, fechou a caixa BO18 e, com um sentimento estranho, regressou a casa.
O Mistério de Anne Pauline
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A PORTA ABRIRA-SE. Finalmente era dada autorização a Anne Pauline para conhecer Marcus Belling.
Para quem conseguia entrar no consultório de hipnose, isso significava que já se tinha passado pelo rigoroso crivo de seleção de Sofia Estelar. A secretária do famoso hipnotizador tinha um ritual, que mantinha há muitos anos. Sempre que alguém iniciava as sessões de hipnose com Belling, ela ficava à espera da pessoa na porta para a cumprimentar pessoalmente, para provar a si mesma que sabia escolher as pessoas certas. As “pessoas certas” eram aquelas que precisavam realmente da ajuda de Belling para ultrapassar os seus traumas ou quebrar hábitos prejudiciais e não apenas as que tinham interesse em aproveitar-se