Название | Hipnose |
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Автор произведения | Maria Inês Rebelo |
Жанр | Языкознание |
Серия | |
Издательство | Языкознание |
Год выпуска | 0 |
isbn | 9789898938893 |
Maria de Burgos passava agora então a gerir todos os assuntos relativos à imagem do famoso hipnotizador perante os meios de comunicação e o público em geral. Ela aconselhava-o quanto à postura a ter na sua relação com as pessoas, dando-lhe preciosas sugestões de como gerir este mesmo contacto e evitar demonstrar uma confiança excessiva. Por outro lado, a relação de Belling com Josef Salvaterra também se alterou, agora mais controlada e sem grandes escândalos. Mas, ao longo dos anos, Maria de Burgos compreendeu também, que não conseguia impor, totalmente, a sua forma de trabalho a Marcus Belling, pois ele insistia em manter uma proximidade demasiado grande (nem sempre recomendável, do seu ponto de vista), com o seu público. Tal implicava, por vezes, um risco para a sua carreira que, nem ela, nem Sofia Estelar, estavam de acordo, pois corriam o risco de ver o esquema logístico montado no consultório da Avenida do Sol colapsar. Agora, algo de bastante revolucionário estava prestes a suceder quando Anne Pauline entrou na vida do famoso hipnotizador. Para este, contudo, exercer aquela profissão significava aceitar que o risco fazia parte da mesma, embora isso nem sempre fosse óbvio.
Passada a primeira década da sua carreira, Marcus Belling trabalhava agora com mais confiança. O apoio de Sofia Estelar e de Maria de Burgos tinha mudado totalmente a configuração da imagem do seu consultório na Avenida do Sol. No entanto, a equipa não poderia estar completa sem ter alguém responsável pela cobrança das sessões de hipnose. A pessoa responsável por este cargo chamava-se Ruben Mortsel. O jovem contabilista trabalhava há poucos anos com Marcus Belling depois de ter substituído o seu antigo contabilista, Vicente Torquay. Este trabalhara com o famoso hipnotizador durante mais de duas décadas. Por outro lado, Mortsel desempenhava um papel fundamental no gabinete ao controlar todas as receitas que eram geradas pelo trabalho diário de Marcus Belling.
Vicente Torquay, o antigo contabilista do consultório da Avenida do Sol, tinha ensinado tudo a Ruben Mortsel, antes de se ter reformado. As novas funções de Mortsel exigiam agora um espaço diferente para o departamento e faturação, que passou assim a funcionar no prédio ao lado do n.º 27. Aqui, Torquay e Mortsel ainda trabalharam juntos um ano, informando o famoso hipnotizador acerca do dinheiro gerado com as suas sessões. Mas os relatórios de faturação sempre pareceram importar pouco para Marcus Belling, que não duvidava da honestidade profissional dos dois contabilistas. Ele sabia que ganhava muito dinheiro com a sua profissão, mas durante muito tempo decidiu desconhecer os reais valores das receitas geradas com as suas sessões de hipnose. Para além disso, o acesso ao gabinete de contabilidade do famoso hipnotizador era restrito, passando primeiro pelo crivo exigente e desconfiado de Sofia Estelar. Tudo parecia estar sob controlo até ao súbito aparecimento de Anne Pauline. O mesmo não se passava com Josef Salvaterra, que conhecia com detalhe toda a sua contabilidade.
Estava assim composta a equipa de trabalho de Marcus Belling. Todos eles tinham feito o juramento coletivo de defender o hipnotizador e o seu trabalho, lutando ao mesmo tempo pelo espírito de missão que os acompanhava: a hipnose servia para ajudar as pessoas a encontrar o seu caminho para a plenitude e felicidade interiores, embora nem todos acreditassem com a mesma intensidade neste lema de trabalho. No entanto, era este o mote para que o consultório na Avenida do Sol continuasse de portas abertas. Nesse aspeto, apesar de ser um pouco ingénuo, Marcus Belling era extremamente rigoroso quanto à atitude que esperava dos seus colaboradores e amigos: não tolerava egos inflamados pelo mediatismo e pelo sucesso, ataques de arrogância ou vaidade, e a ignorância acerca da própria prática da hipnose era rapidamente elucidada por ele ou por colegas para combater os preconceitos instalados. Existia, por isso, uma espécie de lema filosófico na sua vida profissional que ligava todas estas pessoas entre si e que tinham assinado um contrato de lealdade de trabalho para com o famoso hipnotizador. Ainda que os níveis de lealdade não fossem todos idênticos, a verdade é que esta existia em toda a equipa que promovia e defendia o trabalho do filho de Elias Belling.
Marcus Belling, por seu lado, era como uma espécie de cacho de uva que todos adoravam ver envelhecer e transformar-se num bom vinho. Nos tempos de estudante nos Estados Unidos, ele recorrera várias vezes à Clínica da Universidade para usar a hipnose como forma de aliviar as ânsias dos alunos durante o seu percurso académico. Estes foram tempos de uma intensa aprendizagem. Embora especializado em hipnose clínica, foi aqui que Belling tomou pela primeira vez contacto com a utilização da hipnose aplicada à regressão a vidas passadas. No início, também ele tinha os seus próprios preconceitos no que se referia à Terapia de Vidas Passadas que, no seu país, ainda era relativamente desconhecida. A partir desta experiência no estrangeiro, Belling começou progressivamente a deixar os hospitais, onde também despendia uma parte considerável do seu tempo, para se dedicar à investigação da hipnoterapia e da regressão. Com este novo interesse, foi a partir daqui que começou a crescer o seu sucesso junto do público.
Após se ter formado em Terapia de Regressão nos Estados Unidos, Marcus Belling veio a casar-se com Patricia Murio, uma fisioterapeuta que também tinha o seu consultório privado no centro da cidade, mas distante da Avenida do Sol. Tinham dois filhos e viviam nos arredores da cidade.
O famoso hipnotizador considerava-se agradecido pela sua vida, que era bem-sucedida, de uma maneira um pouco inesperada, mais calma do que em tempos anteriores, mas ainda assim turbulenta. Nesse aspeto, Maria de Burgos tinha o trabalho diário de afastar pessoas incómodas, algumas vezes sem êxito. Entretanto, Salvaterra vivia obcecado com o sucesso do colega, alguns anos mais novo do que ele e que se iniciara na carreira mais tarde, tirando-lhe assim todo o protagonismo. Para além de ambos possuírem personalidades distintas, existiam também diferenças no método de trabalho que criavam clivagens profundas entre ambos. De facto, muitos pacientes de Marcus Belling afirmavam que ele dispunha de uma maneira mais democrática de trabalhar do que o seu colega Josef Salvaterra: este identificado com uma linha mais tradicional da prática da hipnose em que se recorria à chamada indução hipnótica clássica. Nestes casos, o hipnotizador obrigava o paciente a entrar em estado hipnótico segundo as suas palavras e orientação sem lhe dar a liberdade de escolher como entrar nesse mesmo estado. Para outras pessoas, pacientes de Salvaterra, isto era apenas um detalhe sem grande importância.
Apesar de serem muito diferentes na sua forma de trabalho, Belling e Salvaterra sabiam que era a confiança que estabeleciam com os seus pacientes que trazia a verdadeira cura para a alma. A eficácia dos seus tratamentos tinha algo de “efeito placebo”. O efeito placebo não criava ilusões menos verdadeiras, não sendo este o propósito; na realidade, ajudava as pessoas no processo de construção de um “convencimento interior” de que as técnicas empregues poderiam de facto intervir na alma e curar os seus piores traumas. Estes métodos funcionavam realmente com sucesso, mas os mais céticos tinham dificuldade em aceitar esta ideia, pelo que era importante criar a aparência dessa mesma eficácia. O que efetivamente importava nesse processo é que o efeito pretendido funcionava muitas vezes e, por essa razão, era utilizado pela maioria dos hipnotizadores que integravam o Conselho Nacional de Hipnose. A confiança com os pacientes era assim o elemento fundamental para uma carreira de sucesso na área da hipnose.
Marcus Belling e a sua equipa de trabalho tinham há muito tempo conhecimento dos métodos de trabalho de Josef Salvaterra. Este possuía uma postura de maior autoridade e de arrogância que assustava todos aqueles que já estavam habituados à relação democrática e aberta que mantinham com Belling no seu gabinete. Sem surpresa, os dois hipnotizadores faziam parte de duas escolas diferentes de hipnose que defendiam posturas distintas na relação entre hipnotizador