Название | Hipnose |
---|---|
Автор произведения | Maria Inês Rebelo |
Жанр | Языкознание |
Серия | |
Издательство | Языкознание |
Год выпуска | 0 |
isbn | 9789898938893 |
– Sim, é precisamente isso. – respondeu a jovem ainda de olhos baixos.
– Gostaria ainda que me pudesse dar alguns exemplos do que acaba de me dizer. Vejo que existe um passado, ou vários passados, que tentam chegar até si, talvez recorrendo ao seu subconsciente. Essa forma de libertação concretiza-se, pelo que me diz, através dos sonhos. Será que me pode contar alguma experiência que tenha tido? – perguntou Marcus Belling.
– Uma noite sonhei com três portas. Decidi abrir uma dessas portas onde estava escrito “Destino desconhecido” e fui puxada para dentro; senti uma enorme sensação de paz e tranquilidade, que apenas conheço dos tempos quando ia viajar no Argo com o meu pai. Quando acordei, tinha a cama cheia de ramagem, ervas e folhas, como se efetivamente já tivesse estado naquele lugar, que me pareceu tão familiar. Era uma planície dourada extensa. – disse Anne Pauline visivelmente emocionada.
- O que é o Argo? – perguntou Marcus Belling.
Marcus Belling não sabia o que era o Argo, mas pôde deduzir que se tratava de uma embarcação de pesca. Pouco ainda sabia acerca do passado da sua nova paciente. Por outro lado, ela manteve-se em silêncio durante algum tempo sem responder à sua questão e o hipnotizador percebeu que o Argo era muito mais do que um barco. Depois, ouviu a resposta de Anne Pauline:
– O Argo é embarcação de pesca da minha família.
Quem iniciava sessões de hipnose com Marcus Belling sabia, desde logo, que aceitava manter uma relação de lealdade com ele. A confiança era um elemento fundamental naquela relação e foi essa mesma ideia que Belling tentou reforçar junto de Anne Pauline. Tinha de existir entre dois uma ligação aberta e transparente. Ao mesmo tempo, Marcus Belling parecia adivinhar tudo o que Anne Pauline pretendia dizer. À medida que ela falava mais sobre si e sobre o “seu” mundo desconhecido, Belling ia sentindo uma inquietação interior cada vez maior. Uma vez mais, voltou a lembrar-se do olhar angustiado de Sofia Estelar. Até àquele momento a conversa com Anne Pauline tinha decorrido com toda a naturalidade. Era uma jovem de vinte e cinco anos que precisava da sua ajuda para compreender se o passado tentava de alguma forma enviar-lhe uma mensagem através da sua mente.
Anne Pauline ainda não conhecia bem a história profissional do famoso hipnotizador, mas a verdade é que apenas nos últimos doze anos de carreira, é que ele se tinha dedicado à regressão. Na realidade, ele era especialista em hipnose clínica, mas ao longo dos anos foi desenvolvendo o seu interesse pela Terapia de Vidas Passadas: a partir daqui, compreendeu que era igualmente possível tratar sintomas graves, tanto físicos como psicológicos (depressões e outros distúrbios) recorrendo à regressão. Mas alguns colegas hipnotizadores continuavam a duvidar do sucesso desta terapia, o que por vezes tinha gerado algumas convulsões de ideias e teorias dentro do Conselho Nacional de Hipnose.
Era agora pouco o tempo que Belling dedicava à hipnose clínica. Tendo começado a afastar-se da investigação nesta área, mantinha algum acompanhamento junto das crianças nos hospitais. Através da hipnose, o famoso hipnotizador ajudava-as a ultrapassar os seus traumas e as suas ansiedades. Belling deixou então o seu pensamento para trás. Estava na altura de explicar a Anne Pauline quais os propósitos, as condições e os métodos terapêuticos usados nas suas sessões de hipnose:
– Antes de mais, para que saiba, a hipnose é um estado mental que é usualmente induzido por um procedimento conhecido como indução hipnótica, já deve ter ouvido falar. O estado hipnótico corresponde às chamadas ondas alfa que estão associadas a um estado de calma e de recetividade. É por isso que, durante o transe, as pessoas se sentem bastante mais calmas. É isso que vamos fazer nas nossas sessões Anne Pauline. Vou induzi-la num estado hipnótico, mas sempre num ambiente controlado.
Anne Pauline ouvia atentamente o que Belling tinha para lhe dizer. O famoso hipnotizador prosseguiu:
– No caso específico da Terapia de Vidas Passadas, que pressupõe o uso da hipnose, a Anne Pauline irá regressar a um passado ou a vários passados que estão para além do limiar da sua vida atual. A partir daqui nós conseguiremos chegar ao que apelidamos de “memória extra-cerebral”. Ao atingirmos este reservatório de memória, será possível chegar ao núcleo do seu trauma e o seu inconsciente poderá libertar o material psíquico, a chamada catarse. Poderemos, nesta fase, compreender os traumas que ficaram encerrados no seu passado e libertar essas memórias. A partir desse momento, irá sentir um alívio significativo dos seus sintomas. – concluiu Marcus Belling.
– E tudo o que eu contar aqui, o que acontece a essa informação? – perguntou Anne Pauline.
– Nas minhas sessões de hipnose eu comprometo-me a manter a confidencialidade de todos os assuntos que são discutidos com os meus pacientes. Neste sentido, eu e os meus colegas hipnotizadores trabalhamos dentro do âmbito da lei; que, neste caso, é o Código de Ética do Conselho Nacional de Hipnose. – respondeu Belling.
Anne Pauline tinha ouvido e compreendido perfeitamente tudo o que Marcus Belling lhe tido dito. Sem confessar, ela nunca tinha acreditado verdadeiramente nos efeitos terapêuticos da hipnose. Contudo, ao longo dos anos, à medida que a medicina tradicional não lhe conseguia providenciar uma solução para os seus anseios, ela começara a ver na hipnose uma alternativa para a sua cura. Naquele dia, ao ouvir Belling falar sobre a Terapia de Vidas Passadas compreendeu, imediatamente, que tinha tomado a decisão mais acertada. Marcus Belling era a única pessoa que a podia ajudar. Ainda assim, quando pensava em ser hipnotizada, não conseguia deixar de não se sentir assustada. Eram muitas as questões que tinha na sua cabeça. Como seria estar hipnotizada? Será que entraria noutra dimensão? Será que se podia chamar ao transe hipnótico uma experiência de quase morte? E se Belling morresse durante uma das sessões, seria ela capaz de acordar do transe? Como muitas pessoas, Anne Pauline tinha as suas superstições e os seus receios. Por um lado, ela tinha medo de que os segredos do seu passado fossem revelados. Sem filtros, tudo ficaria a descoberto. Por outro lado, não queria que a sua história pessoal fosse do conhecimento de qualquer um. Várias vezes teve de repetir para si mesma: “Vou confiar, vou confiar”. Desta vez ia confiar. Marcus Belling disse-lhe então:
– Gostaria apenas de reafirmar que para um hipnotizador é bastante importante saber o que acontece com o seu paciente durante o transe hipnótico. Este estado é induzido através do poder da sugestão. Nesta fase, apenas o paciente me poderá dizer o que está a ver, a sentir e a ouvir. Peço-lhe por isso que confie em mim.
O pedido parecia simples. Apesar disso, como Anne Pauline iria perceber uns meses mais tarde, esta frase de Marcus Belling iria deixá-la num profundo dilema. Todavia, naquele momento, ela nada tinha a recear. O famoso hipnotizador tinha a sua ética profissional e estava obrigado ao sigilo relativamente a tudo aquilo que se passava com os seus pacientes, no seu consultório. Esta seria a primeira sessão de hipnose, uma de muitas ao longo de nove meses, de Anne Pauline com Marcus Belling. O que os dois iam descobrir daqui para a frente ultrapassava os limites da sua imaginação e, em caso algum, poderiam estar preparados para as revelações que iriam acontecer nos próximos meses.
A confiança entre hipnotizado e hipnotizador era fundamental para o sucesso da terapia. Sem a existência desta, não seria possível garantir que o paciente fosse capaz de superar os anseios causados pelas suas vidas passadas. Contudo, existia um receio compreensível por parte de alguns pacientes em reportar tudo aos hipnotizadores o que se passava durante o transe hipnótico; algumas memórias eram muito profundas e intensas. Para além disso, existiam alguns casos reportados em que a ética profissional tinha sido violada. Nestas situações, o Conselho Nacional de Hipnose aplicava os devidos processos disciplinares a todos aqueles que quebrassem a sua deontologia profissional. Um desses casos era o de Josef Salvaterra.
“O caso Salvaterra”, como ficou conhecido, parecia uma obra de ficção. Há alguns anos, procurou-o um banqueiro já reformado para compreender o sentimento de culpa que o tinha perseguido, de forma inexplicável, toda a sua vida. Tal como ele explicou, sempre tinha vivido uma vida honrada, com a família e amigos e