Название | Hipnose |
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Автор произведения | Maria Inês Rebelo |
Жанр | Языкознание |
Серия | |
Издательство | Языкознание |
Год выпуска | 0 |
isbn | 9789898938893 |
Ninguém sabia, mas na realidade ela tinha uma vida de dia e outra à noite. Jamais ela comentou isto com os pais, que teriam dificuldade em a compreender, dado que a maior preocupação deles era trazer sustento para casa. De facto, quando a principal preocupação é sobreviver todos os dias, tudo o resto à volta parece desaparecer. Nada é mais importante do que sobreviver ao dia seguinte. Talvez por isso, os pais de Anne Pauline não soubessem o que se passava com o passado da filha: este era um passado que teimava em evidenciar-se sempre que podia. Durante muitas noites, uma voz de homem muito nítida costumava perguntar-lhe de forma incessante:
– Qual é o teu verdadeiro nome?
– Conheces bem o teu passado?
– És honesta?
– Queres o bem dos outros?
– Tens valores?
– Se um dia chegares a conhecer um lugar secreto, serás capaz de guardar segredo? Sabes guardar segredos?
A voz daquele homem vinha de um mundo que ela não conhecia. As perguntas eram sempre as mesmas e aos poucos, ela começou a duvidar da sua própria identidade. Ao longe, ela conseguia ver o rosto de alguém que abanava com a cabeça: não, ela não era honesta, era o que ele pretendia dizer. Como convencê-lo do contrário? Como é que ele a poderia conhecer tão bem ao ponto de a fazer duvidar de si mesma? E se ela teria outros nomes? Porque é que ela teria outros nomes? As perguntas começavam-lhe a assaltar a mente e nunca mais a abandonaram. Até ao dia, em que ela já não sabia quem era, apesar da promessa que tinha feito ao pai.
No dia em que Anne Pauline deixou de poder cumprir a sua promessa com o seu pai, de nunca esquecer o seu passado, de onde vinha, já nem as viagens de barco no mar lhe traziam a felicidade e a tranquilidade que ela necessitava. O “Argo” passou a ficar atracado mais vezes, e mesmo as gaivotas começaram a sentir a falta da jovem, que agora só via o horizonte na praia, desejando saber quem era aquele homem que lhe falava à noite, colocando-lhe tantas questões. Muitas vezes ao longe, a força das marés deixava visível uma faixa de terra, que elevando-se das águas, formava uma pequena ilha, onde todos os pássaros das redondezas procuravam o seu petisco do dia. Era uma ilha isolada, apenas feita de areia, onde reinavam os sons da natureza. Por isso, Anne Pauline chamava-lhe a “Ilha dos Pássaros”.
À medida que Anne Pauline ia crescendo, este sentimento foi-se intensificando até se tornar intolerável ao ponto de necessitar de procurar ajuda. Depois de muitos anos sem acreditar nos efeitos terapêuticos da hipnose, decidira finalmente procurar o famoso e carismático Marcus Belling. Ela não fugia às estatísticas. Também ela não conseguia resistir ao charme e ao encanto natural de Belling. Nem nunca pensara em Josef Salvaterra, quando decidira procurar na hipnose um tratamento para as suas inexplicáveis angústias. Ainda assim, ao contrário do que se passava com muitas pacientes de Belling, Anne Pauline não pretendia recorrer à hipnose para conhecer um amor do passado ou eventualmente saber se tinha sido uma figura histórica de destaque. Alguma coisa dentro dela lhe dizia que as suas emoções estavam relacionadas com experiências de diferentes vidas no passado que continuavam a enviar-lhe mensagens subliminares (mesmo que só através dos sonhos). O passado tinha então esta forma brutal de comunicar com ela como se durante todo aquele tempo lhe estivesse a impor a necessidade de regressar a um determinado local para rever os mesmos acontecimentos. O passado exigia-lhe agora que ela olhasse para o mundo à sua volta, de forma diferente.
Mas como poderia o passado estar a comunicar com ela? E como poderia ter ela a certeza de que um passado desconhecido tentava agora chegar até ela? Os sonhos de vidas passadas pareciam invadir as suas noites, ano após ano. Sem o conseguir impedir, ela ouvia a mesma voz familiar daquele homem que lhe continuava a colocar um conjunto de perguntas, que não pareciam ter sido escolhidas de forma aleatória:
– Quem és tu?
– Conheces a verdadeira história do Argo e do teu pai?
– Tens as tuas convicções, ou perdeste os valores?
– És capaz de viajar até ao passado? Queres descobrir o que existe lá?
– És uma pessoa respeitosa?
– Serias capaz de acreditar em algo que não és capaz de ver?
Este mesmo homem aparecia na sombra destes sonhos a abanar a cabeça. Não, ela não era uma pessoa respeitosa. Era necessário ela viajar até ao passado, mas como poderia fazer isso? E o que existiria no passado para ela descobrir? Cada vez se tornava mais claro que ela deveria ir até lá, mas tal como o homem lhe tinha perguntado, ela não sabia se era capaz de acreditar em algo que não pudesse ver. E se ela tivesse perdido os valores? Afinal, quem era ela? A este propósito, vendo-a tão pensativa, o pai disse-lhe uma vez:
– Hoje em dia as pessoas têm cada vez mais dificuldade em acreditar em algo que não vejam. Gostava que contigo fosse diferente. É importante acreditares na tua intuição e nas tuas convicções. Nada disso se vê, mas tudo isso se sente.
Aquele homem que lhe apareceu durante todas as noites durante a sua vida e juventude, fê-la duvidar de si mesma. Estranhamente, quando ele perguntava pelo seu passado, ele colocava em causa a sua honra e a sua dignidade. A jovem Anne Pauline não compreendia a atitude daquele homem, cujo rosto nunca se mostrava. Afinal, quem seria ele?
2
Um dia, ele colocou-lhe uma pergunta diferente de todas as outras: «Imagina que possuías a capacidade de voltar ao teu passado. De certeza que não olharias para os mesmos acontecimentos da mesma forma. Terias um olhar diferente». Perante o desafio, Anne Pauline refletiu um pouco no que tinha acabado de ouvir e percebeu que seria antes de mais fisiologicamente impossível retornar ao passado. O ser humano não tem maneira de alterar o tempo. No entanto, existia uma possibilidade de o fazer. Talvez a única. Através da Regressão de Vidas Passadas. Desta forma, no momento de procurar um especialista em Terapia de Vidas Passadas, Anne Pauline conhecia bem a antiga disputa que existia há vinte anos entre Marcus Belling e Josef Salvaterra. Mas ela era alheia a tudo isso. Ela precisava de ajuda.
Era consensual que o carisma e o encanto de Marcus Belling não deixavam ninguém indiferente. O famoso hipnotizador era um homem de quarenta e cinco anos, relativamente alto, de cabelo escuro e olhos grandes castanhos: olhos esses que brilhavam quando discursava acerca da hipnose fosse na televisão ou nas palestras organizadas pelo Conselho Nacional de Hipnose. Com estas aparições, o seu glamour costumava espalhar-se pelo país todo. Também as mulheres de um modo geral deliravam com estes momentos. Todavia, não eram apenas os seus encantos próprios que ajudavam ao seu mediatismo, mas igualmente a sua reconhecida competência nacional e internacional no campo da hipnose e da regressão: a sua especialização dizia sobretudo respeito a duas grandes áreas, hipnose clínica e hipnoterapia. Belling tinha estudado Terapia de Vidas Passadas nos Estados Unidos onde adquirira uma grande parte dos conhecimentos sobre o tema. Apesar de todo o seu mérito, ele estava longe de constituir uma figura consensual.
No início da sua carreira, Marcus Belling era visto pelo público mais como um vendedor do que como um hipnotizador: ele era um vendedor que sabia vender bem o seu produto, como acontecia com todos os profissionais mais comerciais. Várias vezes tinha sido acusado disso mesmo! Era sua convicção de que a medicina convencional não era a resposta para a cura de todos os sintomas do Homem: apenas na procura de uma cura holística seria possível providenciar às pessoas aquilo que elas procuravam. Não raras vezes ele tinha sido considerado um charlatão. Por essa razão, ele tivera dificuldade em assumir-se como um reconhecido profissional na área, sobretudo nos primeiros anos. A superstição e o preconceito assombravam a carreira de Marcus Belling. Para isso, ele contava com o apoio inestimável da sua mulher, Patricia Murio, uma fisioterapeuta dedicada à família.
Por tudo isto, os primeiros dez anos na carreira de Marcus Belling foram difíceis de percorrer e nem a sua capacidade de criar rapidamente empatia com as pessoas facilitou o processo de adaptação a novos tempos. Ele queria transmitir a mensagem de que a hipnose poderia ser aplicada