Hipnose. Maria Inês Rebelo

Читать онлайн.
Название Hipnose
Автор произведения Maria Inês Rebelo
Жанр Языкознание
Серия
Издательство Языкознание
Год выпуска 0
isbn 9789898938893



Скачать книгу

a praticar a Terapia de Regressão, sem deixar que o seu trabalho fosse colocado em causa por alguns colegas da sua classe profissional. Na realidade, o teste serviria apenas para reforçar as suas convicções. Uma vez mais, nunca fora sua intenção divulgar os resultados destes testes, tendo apenas comentado o sucedido com a sua mulher, Patricia Murio.

      Patricia Murio tinha ficado bastante surpreendida com a coragem do marido para levar a cabo esta experiência. Ela conhecia-o bastante bem, mas jamais poderia supor que ele iria recorrer a Sofia Estelar para comprovar as suas teorias. Por outro lado, Sofia Estelar ficou marcada com esta experiência da hipnose. Deste modo, não apenas confirmou a competência de Marcus Belling, como também o efeito terapêutico da Terapia de Regressão. A verdade é que logo após esta sessão sentiu uma tranquilidade enorme. Parecia que as lembranças se tinham libertado de um mundo espiritual que sobrecarregavam a sua alma e que agora vagueavam soltas fora do seu inconsciente. Sofia Estelar considerava-se bastante racional pelo que, não tivesse sido esta sessão de hipnose com Belling, a verdade é que continuaria a alimentar o seu ceticismo relativamente à hipnose e à Terapia de Vidas Passadas. Quando ela viu Anne Pauline a fechar a porta do gabinete, lembrou-se rapidamente de todos estes episódios do seu passado. Sofia Estelar correu então para falar com Marcus Belling. Tinha um olhar impaciente. Ele não a deixou tomar a iniciativa da conversa e tomou o rumo do discurso:

      – Sofia, tive uma sensação estranha com esta pessoa. Depois de me teres devolvido aquele olhar na porta posso deduzir que sentiste o mesmo? – perguntou.

      – Tenho de confessar que da primeira vez que a vi tive logo uma sensação estranha. Não consigo deixar de pensar que sou capaz de me ter enganado relativamente a esta pessoa. Por norma isso não costuma acontecer. De alguma maneira, tenho a sensação de que já a conheço. Já me arrependi muito de lhe ter aberto a porta. – disse Sofia Estelar.

      – Não vale a pena ficares assim. Não te disse isto para te sentires culpada. – respondeu Belling, tentando tranquilizá-la.

      Marcus Belling e Sofia Estelar estavam seguros neste ponto. Tanto um como o outro, tinham tido uma sensação estranha quando viram Anne Pauline pela primeira vez. Os grandes olhos verdes brilhantes desta jovem pareciam esconder um passado difícil de ser revelado, ou talvez demasiado complexo e traumatizante. Inevitavelmente, colocava-se a questão. Deveria Marcus Belling prosseguir as sessões de hipnose com aquela pessoa? Os dois pensavam no mesmo, mas foi Sofia Estelar que avançou com a pergunta:

      – Acha uma boa ideia ela regressar cá mais vezes?

      A pergunta de Sofia Estelar exigia um rápido esclarecimento da situação por parte do famoso hipnotizador, mas por outro lado ela sabia que o estava a colocar num dilema complicado de decidir. Talvez não fosse mesmo justo. De qualquer forma, foi o seu sentimento de responsabilidade naquela situação que lhe impulsionou a pergunta. Belling tinha a sua própria ética profissional, nunca se recusando a continuar uma sessão de hipnose a um paciente que o procurasse no seu gabinete da Avenida do Sol. Efetivamente, fazia parte dos seus princípios profissionais não negar a ajuda a quem dela precisasse. Desta forma, a decisão estava tomada. Ele iria até ao fim. Nunca tinha acontecido durante a sua carreira recusar o auxílio a um paciente e, apesar da estranha sensação que Anne Pauline lhe tinha provocado, Belling decidira assumir o risco da sua tomada de posição. Sofia Estelar compreendeu o seu dilema pessoal. Afinal de contas, ela era a sua secretária pessoal ainda que existisse uma relação de cumplicidade entre ambos de vários anos. A decisão final pertencia sempre a Marcus Belling.

      Neste quente dia de julho, o dia ficara assim marcado por dois importantes acontecimentos. Por um lado, o aparecimento da misteriosa Anne Pauline, por outro, o teste final às convicções pessoais de Marcus Belling. Sofia Estelar sabia-o com segurança. Belling queria continuar a terapia com Anne Pauline, libertá-la dos seus dramas e dos traumas e, assim, através da hipnose, levá-la por um caminho de felicidade que ela nunca tinha experimentado. Como sempre, sem exceção, ele encarava o seu trabalho com espírito de missão pública, mas como toda a equipa já sabia através de situações anteriores, existiriam consequências para esta forte tomada de posição. Todavia, nada os podia preparar para o que estava prestes a suceder nos próximos meses.

      Enquanto tudo isto se passava no n.º 27, a Avenida do Sol fervilhava em movimento e vida. Anne Pauline saiu do gabinete de Belling calcorreando a larga avenida que, de um lado e do outro, estava repleta de restaurantes, cafés e esplanadas decoradas num estilo vitoriano. Ao longo da avenida existiam ainda imensas fontes de água que, no verão, faziam as delícias das crianças. O prédio onde estava localizado o gabinete de Marcus Belling ficava quase exatamente a meio do percurso da conhecida avenida. Tratava-se de um magnífico prédio antigo do século XVIII, de linhas brancas e robustas, com tetos pintados e paredes recortadas com figuras da época barroca. Quando Anne Pauline desceu pela avenida naquele dia, Marcus Belling e Sofia Estelar não demoraram muito tempo a descer as escadas do prédio para irem almoçar num dos restaurantes na bela Avenida do Sol.

      Recuando ao gabinete de Belling, este conservava na sua biblioteca um extenso espólio de livros sobre hipnose, como Anne Pauline tinha reparado. No entanto, ele não se interessava apenas pela hipnose, pois era um homem multifacetado, curioso por vários domínios do saber. Ao longo dos últimos anos, ele tinha vindo a interessar-se por temas como a ligação entre a medicina e a astrologia, o efeito terapêutico e medicinal das plantas, o poder curativo da fé, a alquimia e a ciência experimental. De uma maneira geral, ele considerava que o conhecimento sobre os minerais e as plantas poderiam providenciar com a sua utilização prática um efeito terapêutico que não deveria ser menosprezado. Marcus Belling encarava a medicina natural e homeopática como uma forma de terapia, não menos válida do que a própria hipnose. Por essa razão, considerando que as duas serviam os mesmos propósitos, começou a estudar meios de as aplicar simultaneamente em benefício dos seus pacientes. Por outro lado, dado ter iniciado a sua carreira no campo da hipnose clínica, Belling decidiu aproveitar a sua experiência profissional desses anos para praticar a Terapia de Vidas Passadas com um outro nível de saber e especialidade. Assim sendo, era possível encontrar na sua biblioteca particular livros sobre experiências químicas, receitas experimentais de alquimia, fitoterapia, regressão e poder curativo do corpo e da mente, medicina, zodíaco e botânica oculta. Todos estes livros constituíam uma fonte de inspiração diária para o seu trabalho diário (o que nem sempre era compreendido por Sofia Estelar).

      Marcus Belling era igualmente apaixonado pela literatura mundial e não apenas por livros técnicos: a ele interessava-lhe qualquer tipo de literatura desde que pudesse recorrer a esta para se tornar num melhor hipnotizador. Por essa razão, chegou a passar algumas temporadas na biblioteca municipal da cidade, onde inclusivamente trocou algumas palavras com Georgine Gunderson. Alguns dias mais tarde, a bibliotecária seria destacada para trabalhar na antiga biblioteca nacional. Na realidade, através da leitura de diversos livros, de ficção ou técnicos, ele podia sempre reter uma boa ideia que às vezes utilizava nas suas sessões de hipnose, sobretudo nos casos mais complicados. Por vezes, o estudo teórico não era suficiente para resolver certos traumas das vidas passadas: era preciso viajar pelo mundo e por diversas experiências, ainda que por vezes apenas através dos livros. Um bom exemplo disso era o livro de Aldous Huxley intitulado, “O Admirável Mundo Novo”: com ele Belling desenvolvera o seu espírito crítico, fundamental ao longo da sua carreira. Através desta leitura ele questionava agora as técnicas padrão usadas na hipnose e sugeria novas abordagens. A paixão por este livro em particular, que começou na adolescência, fascinava-o pela sua oposição aos ideais de construção de uma sociedade padronizada, regida pela ilusão do progresso, sem noções do passado e de conceitos fundamentais como a moral e a família. Uma sociedade que era dividida em castas e os seus membros regidos pelos mesmos aspetos genéticos e psicológicos, permanentemente condicionados pelas mesmas regras sociais. Pouco a pouco, enquanto se interessava cada vez mais hipnose, teria sempre a tendência, naturalmente, para pensar neste livro. Como Belling nunca esquecia um bom livro e usava todas as ideias dos escritores para perceber melhor qual era o seu papel no mundo, foi percebendo com os anos que, a hipnose em si, constituía uma forma muito valiosa de as pessoas olharem para si próprias sem estarem condicionadas às convenções sociais. A hipnose era assim sinónimo de liberdade. A noção de liberdade