Hipnose. Maria Inês Rebelo

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Название Hipnose
Автор произведения Maria Inês Rebelo
Жанр Языкознание
Серия
Издательство Языкознание
Год выпуска 0
isbn 9789898938893



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agora um pouco melhor Josef Salvaterra. Tendo mais alguns anos de prática do que o seu concorrente, teve uma infância difícil, embora sempre acompanhado pelo seu tio rico. Um pouco mais velho do que Belling, de olhos e cabelos castanho escuros, tinha a alcunha de “batata” quando era pequeno devido à forma achatada do seu nariz que muitas vezes fazia lembrar uma verdadeira batata. Salvaterra foi na realidade o primeiro grande hipnotizador conhecido do público. Também nessa altura pouco se sabia acerca da hipnose, apenas que se tratava de um método terapêutico muitas vezes complementar da medicina convencional. Neste aspeto, o uso da palavra correta tinha-se tornado fundamental: há vinte anos, a hipnose era complementar, não alternativa aos métodos existentes, no que respeitava ao tratamento de hábitos de vida nocivos e de diagnóstico das doenças. A diferença na terminologia empregue tinha influência no processo de credibilidade da prática da hipnose.

      Ao crescer, Salvaterra percebeu que a escolha da profissão era importante para alimentar todos os egos inflamados que se tinham escondido durante todo aquele tempo. O tio rico sempre tinha considerado uma boa ideia o sobrinho seguir a carreira de hipnotizador. Neste campo, começavam a florescer as primeiras formações de hipnose, pelo que existiam mais oportunidades de o sobrinho ser pioneiro em algo que as pessoas ainda não estavam ainda habituadas a lidar e a ouvir. Também já não era necessário frequentar a Universidade de medicina, cujos longos e extensos cursos contribuíam para uma maior delonga, desnecessária, numa carreira que se pretendia ser lucrativa, desde o primeiro dia. Por essa razão, desde cedo que o tio lhe começou a incutir o interesse pela hipnose, chamando-lhe a atenção que aquela carreira poderia ser o seu futuro sucesso, se tivesse a coragem de explorar terrenos que nunca tinham sido percorridos. Para o ajudar na decisão final, ele apresentou-lhe a jovem Marbella Gorey, de olhos castanhos escuros e quentes, por quem o sobrinho se apaixonou loucamente. Ele sabia que Marbella era ousada, ambiciosa e gananciosa. Com a sua astúcia e alguns encantos próprios, ela conseguiu assim convencer Josef Salvaterra a lançar-se na carreira de hipnotizador, tornando-se ela própria beneficiária desse mesmo sucesso. O tio e Marbella estavam felizes, e bem assim também Salvaterra que apesar de tudo encontrava na sua profissão o alento necessário para esquecer a sua infância difícil. Tudo estava a correr bastante bem neste percurso até Marcus Belling se ter começado a destacar a nível nacional. Ao mesmo tempo, nesta época, já o perfil de Salvaterra como hipnotizador se encontrava definido; a sua arrogância desencorajava-o de continuar a investigar na sua área de trabalho e desta forma começou, progressivamente, a usar um tom cada vez mais autoritário com os seus pacientes. Nem todos possuíam o espírito crítico orientado para duvidar que era “possível fazer diferente”. Esta abertura de mentalidades apenas surgiu alguns anos mais tarde, com Belling.

      Marbella Gorey não ficou igualmente satisfeita com o mediatismo de Belling. Sem o confessar, este acontecimento levou-a a considerar o seu casamento com Salvaterra como um projeto falhado. Tanto ela como tio rico, jamais poderiam imaginar que iria sobressair no panorama nacional um talento inato para a hipnose, como o de Marcus Belling. Contudo, também ela se tinha apaixonado ao início por Salvaterra e por isso não questionou afastar-se dele, pelo menos durante os primeiros dez anos. No entanto, o seu espírito inquieto mandava nela e não se conformava com aquela situação. Marbella começou assim, ao longo do tempo, a atiçar a disputa entre os dois hipnotizadores e a necessidade de ganhar mais dinheiro e estatuto social orientava-lhe todos os propósitos na vida. De alguma maneira, tentava ter o controlo sob as receitas geradas com as sessões de hipnose realizadas no consultório do marido. Marbella Gorey era particularmente venenosa, para além de ser uma pessoa com quem ninguém se sentia bem. Com os anos, foi ganhando um corpo cada vez mais raquítico como se por dentro estivesse a ser devorada por vinganças pessoais que não conseguia ultrapassar.

      Marbella era uma grande amiga de Jasmine, sendo esta a única pessoa capaz de controlar Marbella e de a manipular para os seus próprios fins. As duas eram amigas há muitos anos. Na realidade, Jasmine era uma pessoa única e diferente, talvez por ser orácula, vidente e cartomante o que lhe tinha permitido desenvolver fortes perceções extra-sensoriais que a tornavam uma pessoa a quem se recorria em situações de dificuldade. Assim, quando Anne Pauline entra na vida de Marcus Belling também a sua própria vida irá mudar, tanto no presente como no passado.

      Josef Salvaterra não tinha medo da mulher. Conhecia-lhe bem o caráter e sabia impor a sua autoridade. Amava-a profundamente. Por a conhecer tão bem, ele sabia perfeitamente quando é que ela o tentava controlar e manipular, o que raramente acontecia, pois ele não aceitava com facilidade as suas sugestões para dirigir o seu trabalho enquanto hipnotizador, numa dada direção. Isto sucedia particularmente quando ela lhe recomendava pessoas para trabalhar juntamente com ele, que normalmente serviam de espiões para controlar Marcus Belling e a sua equipa. «Tens de assegurar o lucro certo ao final do mês», dizia-lhe ela frequentemente. Marbella, por seu lado, não insistia. No fundo, ela tinha bastante receio de perder a sua “galinha dos ovos de ouro” e, por essa razão, ao longo do tempo, aquela união foi-se tornando uma relação de conveniência.

      Ao contrário de Marcus Belling, Josef Salvaterra não contava com uma equipa leal que defendesse e promovesse o seu trabalho enquanto hipnotizador. Pontualmente, ele contava com a participação de pessoas escolhidas pela mulher para melhorar e controlar a parte logística da sua profissão, mas rapidamente as dispensava. Tanto Salvaterra como Marbella, tinham necessidade de dominar todas as circunstâncias daquele negócio; efetivamente, a hipnose era apenas um negócio e os seus pacientes eram seus clientes. Não existia ali um espírito de missão pública que os movia, e as receitas geradas pelas sessões de hipnose eram a principal razão para manter o consultório aberto. Este localizava-se numa zona oposta da cidade ao de Belling, longe da conhecida Avenida do Sol.

      Ao mesmo tempo, Marbella tinha ainda um pequeno desejo e ambição escondidos. Desejo esse que nunca confidenciara ao marido. Na cidade existia um clube secreto que era conhecido como o “Clube da Feitoria” bastante restrito e do qual faziam parte as mulheres mais ricas do país. Tinha-se tornado uma honra fazer parte desse mesmo clube e comentava-se, em sussurro, que estas mulheres controlavam um grande número de estruturas ligadas à cultura e à educação, o que lhes devolvia ainda mais poder. Altamente privilegiado, o clube não aceitava qualquer mulher, mas apenas aquelas que demonstravam possuir rendimentos de uma certa categoria. Na realidade, Josef Salvaterra conhecia os intentos da mulher e a sua vontade em pertencer ao tal “Clube da Feitoria” embora esta ideia não lhe agradasse. Ele queria-a junto de si. De facto, ele sentia-se por vezes sufocado com a sua constante presença, mas ficava igualmente perdido quando ela desviava a sua atenção para outros interesses. Jamais Salvaterra pretendia que ela integrasse o tal Clube, com receio de ela própria se desinteressar dele. Por essa razão, várias vezes Marbella expressou a Jasmine que via um pouco Salvaterra como o destruidor dos seus sonhos; esta era uma ideia e um sentimento que ela foi alimentando de forma perigosa e que lhe fez nascer um estranho desejo de vingança em relação ao marido. Marbella e Josef Salvaterra viviam assim um casamento de conveniência, embora o hipnotizador ainda amasse a mulher. Em ambos era possível encontrar a mesma antipatia para com Marcus Belling que lhes fazia novamente despertar o sentimento de orfandade que continuava a inquietá-los.

      Para agravar ainda mais esta situação, Marbella atiçava a inveja no marido e Salvaterra sentia-se encurralado neste sistema. Ele amava a mulher, mas por vezes não a compreendia. Ele estava a envelhecer e as antigas disputas com Marcus Belling já o cansavam, razão pela qual rapidamente recolhia ao seu local de trabalho sempre que a mulher vinha ter com ele. Quando Anne Pauline toca à campainha do consultório de Belling já quase não existia entendimento possível entre Salvaterra e Marbella: os dois não se compreendiam e progressivamente começaram a ter diferentes propósitos na vida. A distância entre ambos era apenas um facto visível de algo mais profundo que ocorria dentro do espírito e da alma.

      A vida e as experiências pessoais dos dois hipnotizadores moldaram-lhes assim duas formas distintas de praticar hipnose. De forma inevitável, estes acabaram por estabelecer diferentes níveis de confiança com os seus pacientes. Como era conhecido, um era considerado mais democrático, o outro mais autoritário, embora nem todos tivessem a mesma perspetiva acerca do conteúdo real desta “autoridade”. Gradualmente, intensificou-se a luta pela ribalta.

      Quando Anne