Hipnose. Maria Inês Rebelo

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Название Hipnose
Автор произведения Maria Inês Rebelo
Жанр Языкознание
Серия
Издательство Языкознание
Год выпуска 0
isbn 9789898938893



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o famoso hipnotizador era sensível às situações de carência económica de quem o procurava e tinha montada uma logística para dar apoio e uma rápida resposta aos casos mais sensíveis.

      Carla confessou a Marcus Belling, que tinha medo de recorrer à hipnose para curar o seu problema de sonambulismo. Será que ia ficar também sonâmbula durante o transe hipnótico? Ele tranquilizou-a. Este era apenas um mito e ela não tinha razões para ter medo do que pudesse acontecer durante esse período pois ela encontrava-se num ambiente controlado. Com o tempo, Carla foi tendo cada vez mais confiança com Belling e sentindo-se mais confortável, deixou-se levar para um estado mais profundo de transe. O famoso hipnotizador começava sempre por lhe dizer:

      – A Carla imagine agora que está numa posição muito confortável... respire profundamente... sinta o seu corpo a descontrair... feche os olhos... imagine agora que é Robinson Crusoe e que está numa ilha deserta... o mar bate nos seus pés e as ondas trazem consigo o cheiro da maresia... respire profundamente e sinta os seus olhos a fecharem-se lentamente...

      Uma vez mais, Marcus Belling auxiliava-se da literatura para ajudar os seus pacientes a ultrapassar os seus problemas internos usando para tal passagens ou personagens desses livros. Era assim que funcionava o poder da sugestão. Neste caso, a leitura da obra de Daniel Defoe ajudou-o a criar uma poderosa metáfora com Carla, sugestionando durante o transe hipnótico, que ela era Robinson Crusoe, que se encontrava sozinha numa ilha deserta, tendo de usar os recursos disponíveis para reconstruir a sua vida. Tratava-se acima de tudo de lhe devolver a confiança que tinha ficado abalada durante a sua vida.

      No caso de Carla foi Robinson Crusoe quem lhe salvou a vida. Em algum dado momento, pensou Belling para si, o herói desta história que se havia salvo a si próprio da morte e da privação, teria um destino maior: o de salvar outros que estão na mesma situação. «Que outro destino, melhor do que este, poderia ser dado a esta personagem?», pensou Marcus Belling para si próprio. Assim, durante meses sucessivos, Carla imaginou que se encontrava numa ilha deserta e no meio do silêncio recuperou finalmente dos seus anseios. Foi assim, com esta poderosa metáfora, que ela superou os seus distúrbios de sono ganhando uma qualidade de vida que nunca tinha tido. Na última sessão, Marcus Belling aproveitou então a oportunidade para lhe dizer:

      – O que eu espero daqui para a frente é que possa encontrar a sua felicidade e plenitude interiores. A nossa alma apenas se compreende a ela própria quando começamos a olhar para dentro de nós. – finalizou Belling.

      Carla tinha acabado de acordar. Na realidade, ela foi acordando para a vida e foi assim que os problemas de sonambulismo acabaram por desaparecer. O sono era agora repousante e revitalizante. Sendo um dos casos de maior sucesso da sua carreira, ela acabaria por se tornar uma amiga próxima de Sofia Estelar, e era visita frequentemente do consultório na Avenida do Sol.

      Na sua última sessão de hipnose, e quando saiu do gabinete, Carla percorreu a pé a avenida, curada dos seus sintomas. Procurou ali perto, imediatamente, um alfarrabista onde viria a comprar uma versão antiga do livro de “Robinson Crusoe”, de Daniel Defoe e lendo-o até à exaustão, retirou bons ensinamentos que a ajudaram, nos anos vindouros, a manter e a conservar a sua felicidade. Junto a este alfarrabista, que há mais de quinze anos vendia livros antigos na Avenida do Sol, encontrava-se um antiquário. O proprietário chamava-se Argus Dubois. Quando Carla passava junto à sua loja sonhava em ter um guéridon: uma espécie de mesa diminuta, arredondada, coberta por um tampo em mármore. No final do dia, ela deixaria o livro de Robinson Crusoe em cima da mesa. O dia seguinte seria mais uma descoberta, mais uma jornada.

      Não foi apenas Carla que aprendeu alguma coisa com Belling. Com este caso, o famoso hipnotizador descobriu o verdadeiro poder da imaginação e da sugestão, embora já o tivesse praticado noutros casos, embora não com tanto sucesso. As chamadas “imagens âncoras”, como lhes costumava chamar, eram utilizadas por alguns pacientes para lhes dar uma maior sensação de conforto e de segurança durante o transe hipnótico. Consequentemente, Belling aprendeu que essas imagens estão ligadas ao poder dos símbolos. Existia, portanto, uma área muito importante ligada à hipnose que nunca tinha sido devidamente investigada e que agora, com o exemplo de Carla, não podia continuar a ser ignorada. Foi desta forma que Belling inovou uma vez mais, face ao saber que era transmitido pelo Conselho Nacional de Hipnose e em comparação com outros hipnotizadores. A simbologia passou assim a ser um tema de interesse neste campo de trabalho.

      O estudo dos símbolos tornou-se, assim, para Marcus Belling uma ferramenta fundamental para compreender melhor o caso particular dos seus pacientes. Na realidade, para se tornar um melhor hipnotizador. Nas suas investigações, Belling apercebeu-se de que o estudo acerca da origem, interpretação e da arte de criar símbolos era mais relevante do que aquilo que julgava para a vida de um hipnotizador: aliás, foi sempre através dos símbolos e da representação simbólica que o ser humano aprendeu a apropriar-se do mundo. Todos os mitos, crenças, factos e ideias são expressos através de símbolos e são eles que representam a realidade. Como seria possível que, durante todos aqueles anos, pudesse ter ignorado esta realidade?

      À primeira vista, a simbologia parecia não ter relação com a hipnose. Por sua vez, nada nesta inaudita ligação poderia fazer pressupor que alguém como Belling, com formação em hipnose clínica, enveredaria por uma interpretação mais espiritual do seu trabalho. O interesse pela simbologia não tinha aparentemente ligação com a sua formação de base. Embora considerasse que tinha hoje mais abertura de espírito, Belling era uma pessoa lógica e analítica quando se iniciou na carreira, talvez porque começara cedo a estudar medicina e neurologia. Assim, desde logo aprendeu que o ser humano é composto de muitas conexões nervosas, com formas de organizações específicas na sua biologia, sendo constituído por cérebro, espinal medula e nervo. Ao mesmo tempo, todo o corpo é controlado por um conjunto complexo de movimentos e de sensações. De todos os órgãos que existem, o mais importante de todos era o cérebro humano. De facto, embora este represente apenas dois por cento da massa do corpo, a verdade é que ele recebe vinte e cinco por cento de todo o sangue que é bombeado pelo coração. O sangue, que é um fluído que através das suas correntes leva os nutrientes necessários às células e aos diferentes órgãos humanos. Para um bom hipnotizador como Marcus Belling era fundamental conhecer o funcionamento deste órgão, sobretudo o lobo frontal ou a área pré-frontal do cérebro, que possui uma função executiva. Essa função, como ele sabia, era responsável pela atenção, pensamento e resolução de tarefas, com a qual prevemos resultados do nosso comportamento no futuro: ao mesmo tempo, ganhamos consciência das decisões que tomamos. Para Belling qualquer hipnotizador deveria tomar conhecimento do funcionamento do corpo humano.

      Quando há mais de vinte anos, Marcus Belling se tornou membro do Conselho Nacional de Hipnose, ele foi pioneiro em defender que o estudo das neurociências era fundamental para a hipnose. Era uma realidade, que há duas décadas, existiam ainda muitos mitos e superstições relacionados com a hipnose e, portanto, era através do recurso às ciências que se tornaria possível a desconstrução dessas ideias pré-concebidas. Não seria exagerado afirmar que era possível entrar-se num paradoxo quando se tentava descrever a hipnose. Por um lado, era uma espécie de arte, por outro tinha contornos de ciência. Assim, era uma “arte” porque nem todos os hipnotizadores dominavam esta técnica com sucesso e, por outro, porque nem todas as pessoas podiam ser hipnotizadas. Nesse sentido, o transe hipnótico também variava de indivíduo para indivíduo, podendo ser mais profundo ou, ao contrário, ser tão leve ao ponto de o paciente em causa nunca conseguir verdadeiramente relaxar para ser hipnotizado. Todavia, era ao mesmo tempo também uma ciência, porque um bom profissional neste campo teria de compreender a fisiologia humana, o seu sistema nervoso e o funcionamento do cérebro. Esta era a perspetiva de Marcus Belling.

      Retomando o poder dos símbolos, Belling apercebera-se que a simbologia era fundamental para compreender melhor as potencialidades da hipnose. Nesse sentido, ele estava bastante grato por ter conhecido uma paciente como a Carla que lhe tinha mostrado um outro mundo para além daquele que ele, enquanto hipnotizador, conhecia. Isso também acontecia. Também era possível os hipnotizadores ficarem mais sábios com as pessoas que hipnotizavam. Esta era sempre uma experiência enriquecedora, para ambas as partes. Contudo, rapidamente Belling também se