Название | Hipnose |
---|---|
Автор произведения | Maria Inês Rebelo |
Жанр | Языкознание |
Серия | |
Издательство | Языкознание |
Год выпуска | 0 |
isbn | 9789898938893 |
Mas o Conselho Nacional de Hipnose não aprovava totalmente a mensagem e a postura de Marcus Belling face ao seu próprio papel profissional. Alguns colegas hipnotizadores mais envolvidos no Conselho já o tinham avisado de que ele estaria a criar falsas expectativas nas pessoas, fazendo-as incorrer no erro de que um hipnotizador era dispensável no seu processo de tratamento. O Conselho encarava assim esta atitude como uma forma de menosprezar o crucial papel desempenhado pelos profissionais que representava e, por várias vezes, pediu algum refreio a Belling nas suas palavras. A este propósito, várias vezes, tinham-lhe chamado a atenção: «Daqui a pouco as pessoas começam a fazer auto-hipnose em casa. Já ninguém consulta um hipnotizador, se continuar a dizer essas coisas». Embora respeitando a recomendação do Conselho, Marcus Belling continuava firme na sua forma de trabalhar.
A abordagem de Marcus Belling não incomodava apenas o Conselho Nacional de Hipnose, mas também Josef Salvaterra. Na realidade, num programa de rádio há vários anos, Salvaterra desferiu um duro golpe a Belling ao afirmar que o colega andava a enganar as pessoas com discursos proféticos. Para ele, o papel do hipnotizador não era substituível, «pois por vezes as pessoas precisam de alguém que as guie». Esta última frase foi dita num programa de rádio sobre hipnose e originou uma avalanche de chamadas de pessoas que exigiam falar com Salvaterra. «Devem ser fans loucos de Belling», disse Salvaterra em tom de brincadeira para o locutor de rádio.
Neste sentido, também em parte pelo seu distanciamento em relação à postura defendida por Belling, Salvaterra possuía um estatuto diferente dentro do Conselho; este era mais interventivo, apesar da sua imagem ter ficado enfraquecida durante vários meses com o “caso Salvaterra”. Gradualmente, Marcus Belling foi criando os seus próprios métodos de trabalho, cada vez mais distantes e inovadores face ao que era recomendado pelo Conselho, para grande entusiasmo dos seus pacientes.
Salvaterra e Belling começaram a distanciar-se um do outro, mesmo dentro do próprio Conselho. Josef Salvaterra, ao contrário de Belling, tinha outras ambições que não apenas tornar-se no mais conceituado hipnotizador do país. Ele almejava um novo estatuto no seio do Conselho Nacional de Hipnose que lhe pudesse conferir uma vantagem no meio da sua classe profissional. Por essa razão, na última reunião, ele candidatara-se a Presidente da Assembleia Geral; Salvaterra pretendia gerir os destinos da organização e, com isso, afastar Belling do seu protagonismo. A única forma de isso acontecer passava por controlar a gestão da organização o que internamente significava deter o poder sob todo o Conselho. Contudo, Salvaterra teve poucos votos aquando das eleições o que gerou, da sua parte, uma enorme indignação. Foi conturbada a situação que se seguiu. Josef Salvaterra demonizou todos os seus colegas chamando-os de “ignorantes” e prometeu dirigir uma reclamação para o Comité Internacional da Hipnose alegando que existira fraude nas eleições. Uns dias mais tarde, para espanto de todos, Marbella apareceu nas instalações do Conselho, durante uma das reuniões da Assembleia geral, tentando nessa altura imiscuir-se em assuntos de gestão interna: ela pretendia saber qual o valor das receitas arrecadadas com o pagamento das quotas anuais ao Conselho.
A ganância de Marbella era conhecida por todos. O referido episódio com as quotas foi contado entre todos os hipnotizadores, dando conta que nesse dia a mulher de Salvaterra fora colocada no exterior das instalações do Conselho perante a sua própria indignação. Por essa razão, Marbella Gorey era conhecida como a “toupeira” porque conseguia cheirar o dinheiro onde quer que ele se encontrasse e a larga distância. Era um facto, que ela era capaz de se munir de todos os recursos possíveis se estivesse em causa dinheiro e algo não deixava de a incomodar: o marido não ganhava uma fortuna. Marbella e Salvaterra viviam razoavelmente bem, mas sem grandes luxos e, por essa razão, a única forma de atingir certos objetivos era recorrer a meios pouco éticos. Para prejudicar Marcus Belling e afastá-lo dos meios de comunicação, ela estaria disposta a fazer quase tudo. Por mais de uma vez que o tinha tentado. Contudo, a intervenção rápida de Maria de Burgos evitara a publicação de notícias caluniosas acerca do famoso hipnotizador. Mas, desde há meia dúzia de anos atrás, que Marbella contava com a ajuda de um cúmplice chamado Alfonso Rúbio, o filho de uma prima que se via sempre constantemente envolvido em furtos e na pequena criminalidade. Tinha apenas vinte e três anos, mas um cadastro completo nas mais variadas atividades de delinquência. Considerado como um “caso perdido”, Alfonso por vezes aceitava colaborar com Marbella (por um “preço económico”) para difundir algumas informações que ela achava fundamental para acabar com o mediatismo de Belling ou para outro tipo de atividades de ética duvidosa. Alfonso deixava-se comprar por pouco, o que era um excelente negócio para Marbella que o considerava ideal para a concretização de alguns dos seus planos. Contudo, esta cumplicidade já não existia no dia em que Anne Pauline tocou à porta do gabinete de Marcus Belling, pois Alfonso tinha desaparecido há algum tempo.
Marcus Belling parecia imune a tudo isto. Talvez porque se encontrava rodeado de uma equipa leal que tinha montado um aparelho logístico complexo que lhe permitia viver exclusivamente dedicado à sua profissão. Um dia, numa conferência internacional, alguém lhe dissera:
– O Belling acredita na hipnose. É quase como se tivesse uma espécie de fé dentro de si, quase inabalável. Também já tive esse tipo de ilusões.
«Não julgue que seja possível saber tudo acerca de um mundo a que apenas acedemos através da nossa mente», disse-lhe uma vez um colega.
– Acredito no meu trabalho. – limitou-se a responder Belling.
Nem todos os hipnotizadores estavam convencidosque a hipnose constituísse uma terapia eficaz para as pessoas, muito embora fizessem dela a sua carreira. Parecia uma contradição, mas alguns profissionais na área não acreditavam naquilo que faziam. Ao contrário, Marcus Belling era um inconformado. O famoso hipnotizador tentava manter-se fiel a si mesmo. Este não tinha sido, contudo um trajeto fácil e com o passar dos anos, de forma quase inevitável, começaram a surgir dúvidas acerca de si mesmo, do seu trabalho e da sua missão na vida. Por isso mesmo existiam alturas em que ele precisava de todo o recolhimento possível para voltar a acreditar nas suas convicções. Sem elas, não existia Marcus Belling nem uma carreira. Ele sabia por outro lado que existiam muitas crenças limitativas em torno da hipnose que eram simplesmente inventadas através da difusão de mitos supersticiosos ou pelos meios de comunicação. Nestes casos, era difícil desmontar o engano. O famoso hipnotizador ainda não sabia, mas Anne Pauline iria marcar a sua vida. Antes mesmo de ela entrar no consultório da Avenida do Sol, Belling recordava-se de um dos casos mais marcantes na sua carreira que lhe devolvera a segurança interior de que a prática da hipnose teria de ser encarada com um espírito de missão pública.
Um dia, uma mulher chamada Carla veio ter com Belling relatando distúrbios de sono. Com o passar dos anos, sem tratamento à vista, esses mesmos distúrbios evoluíram para o sonambulismo, para grande receio do filho que a ouvia à noite, sozinha, a caminhar pela casa. Sendo mãe solteira, raramente tinha um trabalho estável, vivendo num anseio constante, que não lhe permitia adormecer, durante dias seguidos. Foi então que Carla pensou em recorrer à hipnose e, portanto, a Marcus Belling. Ela sabia que era difícil conseguir uma sessão com ele, tal era a fila de espera que existia e que era do conhecimento público. Decidiu, contudo, tentar a sua sorte. Sofia Estelar considerou-a um caso prioritário e, devido às suas dificuldades económicas, após confirmação da sua situação pessoal, o preço das sessões foi diminuído para ela prosseguir o seu tratamento. De facto, o consultório