Hipnose. Maria Inês Rebelo

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Название Hipnose
Автор произведения Maria Inês Rebelo
Жанр Языкознание
Серия
Издательство Языкознание
Год выпуска 0
isbn 9789898938893



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do discurso do hipnotizador, realizando para o efeito formações diversas sobre linguagem orientada para a hipnose.

      A experiência de Belling demonstrava a importância da linguagem persuasiva que, quando introduzida na hipnose, veio a dar lugar à chamada “hipnose conversacional”. Duas palavras particularmente utilizadas durante o transe hipnótico pareciam fazer toda a diferença na pessoa em estado de transe. Essas palavras eram, precisamente, o porque e o mesmo. Gradualmente, Marcus Belling foi então introduzindo estas palavras no início das sessões de hipnose e, de forma imediata, apercebeu-se que o transe costumava nestas situações ser bastante mais profundo. Normalmente, ele começava por dizer aos seus pacientes:

      – Gostaria mesmo que se sentasse numa posição confortável, que fechasse os olhos e tentasse relaxar... e isto, porque é mesmo importante que me escute... tranquilamente... sem pressas…

      Através do poder da linguagem, usando por exemplo o “porque” e o “mesmo” em momentos especiais da sua fala, Belling era capaz de hipnotizar pessoas que tinham resistido à hipnose com outros hipnotizadores. Alguns desses pacientes embora não o confessassem, vinham desanimados das suas sessões de hipnose com Josef Salvaterra. Por essa razão, aos poucos, os relatos destes casos pessoais fizeram crescer o mediatismo de Marcus Belling. A sua abordagem inovadora em relação à hipnose mostrou-se, neste aspeto, decisiva. Belling utilizou todos estes conhecimentos para desenvolver, ele próprio, uma linguagem cativante com as pessoas, granjeando assim fama e bastante dinheiro. Mais dinheiro do que Josef Salvaterra, o que só podia constituir uma situação de inveja para Marbella.

      O aparecimento de Carla mudou um pouco a perspetiva que Marcus Belling tinha em relação à sua carreira e à hipnose, mas a mudança maior viria com Anne Pauline. Em ambos os casos, estas mulheres acabariam por abalar as suas convicções, colocando-lhe dilemas que, quando superados, lhe mostravam um mundo totalmente novo acerca da mente humana. Era esta a beleza da sua profissão.

      Marcus Belling e Josef Salvaterra eram duas pessoas e dois hipnotizadores muito diferentes. Salvaterra tinha hábitos que podiam ser considerados “tradicionais”. Gostava de colecionar velharias e evitava os mesmos espaços públicos que o seu colega rival. Tal como Marcus Belling e Anne Pauline, possuía uma pequena biblioteca particular em casa. Ao longo dos anos, adquirira diversos livros sobre hipnose, terapia de vidas passadas, regressão, magia, misticismo e espiritualidade. Mas não só. Marbella influenciara-o também noutras áreas como as ciências ocultas, a necromancia, a tarologia e a futurologia. Inclusivamente, nos últimos anos tinham sido feitas novas aquisições de livros sobre transmutação de metais. Era assim visível o interesse cada vez maior na chamada crisopeia, ou seja, a arte de transformar metais em ouro. Josef Salvaterra não compreendia o interesse intenso de Marbella neste tema, mas é verdade que ela costumava montar um verdadeiro laboratório em casa na tentativa de destilar ouro potável através de chumbo.

      Por outro lado, pode-se afirmar que Marcus Belling tinha hábitos mais “modernos” e as grandes dificuldades na sua carreira estavam relacionadas com as consequências naturais do seu mediatismo. Uma vez, numa entrevista para o canal público de televisão, uma jornalista mais arrojada, alta de cabelos pretos bastante longos, perguntou a Belling se ele usava a hipnose em casa para hipnotizar a mulher. A pergunta fez soltar imediatamente uma convulsão de risos por parte da plateia. De certa forma, o acontecimento acabou por marcar o panorama televisivo desse ano, mas a resposta de Belling pretendeu não alimentar mais a polémica: «A hipnose baseia-se no pressuposto que ninguém, sem exceção, é hipnotizado sem o consentir. Não se constrange a pessoa a fazer algo que não queira. Nesse aspeto a hipnose é sinónimo de liberdade pois dá-se liberdade ao outro para transformar os seus pensamentos e atitudes para que possa enfim desfrutar de uma vida mais plena».

      No dia seguinte, para grande tragédia pessoal de Sofia Estelar, mas sem admiração, quase todas as mulheres do país ligaram para o gabinete da Avenida do Sol para agendarem uma sessão de hipnose com o famoso hipnotizador. A crise que se seguiu a essa entrevista fez Marcus Belling tomar a decisão de que, dali para a frente, iria aparecer menos na televisão. A verdade é que ele se podia aproveitar para se divertir um pouco com a situação, mas cabia, no fundo, a Maria de Burgos gerir de forma inteligente as consequências das suas aparições públicas. Depois deste episódio, como já seria de esperar, jornais e revistas sensacionalistas exploraram o assunto sem limites, especulando se existiria uma relação extraconjugal entre a jornalista do programa e o próprio Belling. Algumas revistas, dentro do estilo satírico, mostravam a jornalista de cabelos pretos longos a ser hipnotizada por Marcus Belling enquanto este sugeria uma “terapia a dois”. As semanas seguintes representavam muito trabalho para Maria de Burgos que pensava sempre para si mesmo: “Será que ele não podia ter dito as coisas de outra forma?”. Podia. Mas se o fizesse já não era o Marcus Belling que todos conheciam.

      Patricia Murio sabia gerir estas situações de forma sensata. Não se sentia claramente confortável com a ideia de que os jornais publicavam notícias acerca de casos extraconjugais do marido com as jornalistas, mas nada disso correspondia à verdade. Ao contrário do que acontecia com a maioria das mulheres, ela não tinha sido conquistada exclusivamente pelo carisma de Belling. Ao mesmo tempo existia nela um despojamento da alma que tinha chamado a atenção de Belling e fora sobretudo, por causa disso, que ele se tinha apaixonado por ela. Patricia Murio ajudava-o a procurar o essencial e a libertar-se do supérfluo no meio do caos que por vezes se gerava com o seu mediatismo.

      No dia em que Anne Pauline apareceu na vida de Marcus Belling, ele quis regressar mais cedo a casa. Há muitos anos que existia uma aliança secreta entre a mulher e Sofia Estelar que controlavam as potenciais clientes que pretendiam aproximar-se do famoso hipnotizador. A aliança funcionava com sucesso há muitos anos e, por uma vez ou outra, detetou sinais perigosos de avistamento e aproximação femininas que foram rapidamente eliminados. Essas mulheres, por seu turno, foram eficazmente colocadas fora do percurso. Por essa razão, apesar de Patricia Murio não se encontrar na Avenida do Sol, a logística montada permitia-lhe, através da sua “cúmplice”, controlar todos os movimentos do marido e daqueles que o rodeavam. Foi assim com alguma surpresa, e receio, que recebeu o telefonema de Belling avisando de que ia chegar mais cedo a casa. Marcus Belling era um trabalhador incansável. Não lhe faltava, pois, o mérito na sua carreira repleta de sucessos profissionais e, mesmo os que não gostavam dele, não lhe podiam apontar a falta de trabalho no seu percurso. Existia uma boa razão para Belling chegar mais cedo a casa nesse dia, e Patricia Murio sabia-o. Por momentos, não sabia o que deveria pensar e, um pouco desesperada, pensou ainda em ligar a Sofia Estelar para tentar saber se tinha acontecido algo fora do habitual no gabinete do marido. Mas conteve-se. Não quis naquele momento mostrar a sua fragilidade à secretária pessoal do marido.

      Marcus Belling chegou a casa. Patricia Murio abraçou-o e, com surpresa, reparou que ele começara a chorar. Ele mantinha-se calado, sem capacidade de pronunciar uma única palavra. Como ela bem sabia, ele era confrontado, em algumas sessões, com sentimentos profundos e inexplicáveis que lhe pareciam ter sido transmitidos pelos seus pacientes quando estes faziam regressões às suas vidas passadas. De alguma forma, os traumas destas vidas passadas pareciam ter impacto no espírito de Belling, ficando estes a pairar no seu gabinete até desaparecer ou incorporar o seu corpo e alma durante vários dias. À primeira vista poderia parecer uma situação bizarra. De certa forma até o era e Marcus Belling já tinha perguntado a outros hipnotizadores se eles também sentiam o mesmo quando praticavam a Terapia de Vidas Passadas. A verdade é que muitos deles tinham receio de confessar que o mesmo também sucedia com eles. Por alguma razão, não queriam que isso fosse do conhecimento do Conselho Nacional de Hipnose.

      Praticar a Terapia de Vidas Passadas trazia consigo, por vezes, a incompreensão perante a ocorrência de certos fenómenos. Não só parecia existir uma passagem de sentimentos entre hipnotizador e hipnotizado, como o terapeuta sentia quase como seu o sofrimento do paciente. Não existia conforto nesta situação. Belling convencera-se, ao longo do tempo, de que existia uma espécie de transferência de emoções e que os hipnotizadores - ele e os colegas - não estavam imunes às vidas passadas dos seus pacientes. Nunca tinha falado disto com Patricia Murio, mas a verdade é que ela conseguia sentir tudo. Ele não precisava de lhe dizer nada, pois ela sabia que era isso que sucedia com