Romancistas Essenciais - Joaquim Manuel de Macedo. Joaquim Manuel de Macedo

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Название Romancistas Essenciais - Joaquim Manuel de Macedo
Автор произведения Joaquim Manuel de Macedo
Жанр Языкознание
Серия Romancistas Essenciais
Издательство Языкознание
Год выпуска 0
isbn 9783967245615



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      — Eu tenho inteira confiança no senhor: me parece que é o único capaz de acertar com a minha enfermidade.

      Mas ali está um estudante do sexto ano...

      — Eu quero o senhor mesmo.

      Pois, minha senhora, eu estou pronto para ouvi-la; porém julgo que o tempo e o lugar são pouco oportunos...

      — Nada... há de ser agora mesmo.

      Ah!... A boa da velha falou e tornou a falar. Eram duas horas da tarde e ela ainda dava conta de todos os seus costumes, de sua vida inteira; enfim, foi uma relação de comemorativos, como nunca mais ouvirá o nosso estudante. Às vezes Augusto olhava para seus companheiros e os via alegremente praticando com as belas senhoras que abrilhantavam a sala, enquanto ele se via obrigado a ouvir a mais insuportável de todas as histórias. Daqui e de certos fenômenos que acusava a macista, nasceu-lhe o desejo de tomar uma vingançazinha. Firme neste propósito, esperou com paciência que d. Violante fizesse ponto final, bem determinado a esmagá-la com o peso de seu diagnóstico, e ainda mais com o tratamento que tencionava prescrever-lhe.

      As duas horas e meia a oradora terminou o seu discurso, dizendo:

      — Agora quero que, com toda a sinceridade, me diga se conhece a minha enfermidade e o que devo fazer.

      Então V. S. ª dá-me licença para falar com toda a sinceridade?

      — Eu o exijo.

      — Pois, minha senhora, atendendo a tudo quanto ouvi, e principalmente a esses últimos incômodos, que tão amiúde sofre, e de que mais se queixa, como tonteiras, dores no ventre, calafrios, certas dificuldades, esse peso dos lombos etc., concluo, e todo o mundo médico concluirá comigo, que V. S. padece...

      — Diga... não tenha medo.

      — Hemorróidas.

      D. Violante fez-se vermelha como um pimentão, horrível como a mais horrível das fúrias, encarou o estudante com despeito, e, fixando nele seus tristíssimos olhos furta-cores, perguntou:

      — O que foi que disse, senhor?

      — Hemorróidas, minha senhora.

      Ela soltou uma risada sarcástica.

      — V. S.ª quer que lhe prescreva o tratamento conveniente?...

      — Menino, respondeu com mau humor, tome o meu conselho: outro ofício; o senhor não nasceu para médico.

      — Sinto ter desmerecido o agrado de V. S.ª por tão insignificante motivo. Rogo-lhe que me desculpe, mas eu julguei dever dizer o que entendia.

      Isto dizendo, o estudante ergueu-se; a velha já não fez o menor movimento para o demorar, e vendo-o deixá-la, disse em tom profético:

      — Este não nasceu para a medicina!

      Mas Augusto, afastando-se de d. Violante, dava graças ao poder de seu diagnóstico e augurava muito bem de seu futuro médico, pela grande vitória que acabava de alcançar.

      Agora sim, disse ele com os seus botões, vou recuperar o tempo perdido; e procurava uma cadeira, cuja vizinhança lhe conviesse.

      A digna hóspeda compreendeu perfeitamente os desejos do estudante, pois mostrando-lhe um lugar junto de sua neta, disse:

      — Aquela menina lhe poderá divertir alguns instantes.

      — Mas, minha avó, exclamou a menina com prontidão, até o dia de hoje ainda não me supus boneca.

      Menina!...

      Contudo, eu serei bem feliz se puder fazer com que o senhor... o senhor...

      — Augusto, minha senhora...

      — O sr. Augusto passe junto a mim momentos tão agradáveis, como lhe foram as horas que gozou ao pé da sra. d. Violante.

      Augusto gostou da ironia, e já se dispunha a travar conversação com a menina travessa, quando Fabrício se chegou a eles, e disse a Augusto:

      — Tu me deves dar uma palavra.

      — Creio que não é preciso que seja imediatamente.

      — Se a sra. d. Carolina o permitisse, eu estimaria falar-te já.

      — Por mim não seja... disse a menina erguendo-se.

      — Não, minha senhora, eu o ouvirei mais tarde, acudiu Augusto, querendo retê-la.

      Nada... não quero que o sr. Fabrício me olhe com maus olhos... Além de que, eu devo ir apressar o jantar, pois li no seu rosto que a conversação que teve com a sra. d. Violante, quando mais não desse, ao menos produziu-lhe muito apetite... mesmo um apetite de... de...

      — Acabe.

      — De estudante.

      E, mal o disse, a travessa moreninha correu para fora da sala.

      Capítulo IV: Falta de condescendência

      Fabrício acaba de cometer um grande erro, que para ele será de más conseqüências. Quem pede e quer ser servido, deve medir bem o tempo, o lugar e as circunstâncias, e Fabrício não soube conhecer que o tempo, o lugar e as circunstâncias lhe eram completamente desfavoráveis. Vai exigir que Augusto o ajude a forjar cruel cilada contra uma jovem de dezessete anos, cujo delito é ter sabido amar o ingrato com exagerado extremo. Ora, para conseguir semelhante torpeza, preciso seria que Fabrício aproveitasse uni momento de loucura, um desses instantes de capricho e de delírio cm que Augusto pensasse que ferir a fibra mais sensível e vibrante do coração da mulher, a fibra do amor, não é um crime, não é pelo menos, Louca e repreensível leviandade, e apenas perdoável e interessante divertimento de rapazes; e nessa hora não podia Augusto raciocinar tão indignamente. Ainda quando não houvesse nele muita generosidade, estava para desarmá-lo o poder indizível da inocência, o poderoso magnetismo de vinte olhos belos como o planeta do dia, a influência cativadora da formosura em botão, da beleza virgem ainda, de um anjo enfim, porque é símbolo de um anjo a virgindade de uma jovem bela.

      Mas Fabrício olvidou tudo, e mal, sem dúvida, terá de sair de seu empenho com tantas contrariedades; o tempo não lhe é propício, porque Augusto começa a sentir todos os sintomas de apetite devorador. Ora, um rapaz, e principalmente um estudante com fome, aborrece-se de tudo, principalmente do que lhe cheira a maçada. O lugar não menos lhe era desfavorável, porque, diante de um ranchinho de belas moças, quem poderá tramar contra o sossego delas?... Então Augusto, que era dos tais que por semelhante povo, são como formiga por açúcar, macaco por banana, criança por campainha... e ele tinha razão! Por último, as circunstâncias também contrariavam Fabrício, pois a sra. d. Violante havia tido o poder de esgotar toda a elástica paciência do pobre estudante, que não acharia nem mais uma só dose homeopática desse tão necessário confortativo para despender com o novo macista.

      Fabrício tomou, pois, o braço de Augusto e ambos saíram da sala, este com vivos sinais de impaciência, o primeiro com ares de quem ia tratar importante negócio.

      A inocente d. Joaninha os acompanhou com os olhos e riu-se brandamente, encontrando os de Fabrício, que teve ainda bastante audácia para tingir um sorriso de gratidão.

      Eles se dirigiram ao gabinete do lado direito da sala, o qual fora destinado para os homens; e entrando fechou Fabrício a porta sobre si, para se achar em toda liberdade. Enfim, estavam sos. Voltados um para o outro, guardavam alguns momentos de silêncio. Foi Augusto que teve de rompê-lo.

      — Então, ficamos a jogar o siso?...

      — Espero a tua resposta, disse Fabrício.

      — Ainda não me perguntaste nada, respondeu o outro.

      — A minha carta?...

      — Eu a li... sim, tive a paciência de lê-la toda.

      — E então?...

      — Então o que, homem?...

      —