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romântico!... exclamaram os três, rindo às gargalhadas.

      — A alma que Deus me deu, continuou Augusto, é sensível demais para reter por muito tempo uma mesma impressão. Sou inconstante, mas sou feliz na minha inconstância, porque, apaixonando-me tantas vezes, não chego nunca a amar uma vez...

      — Oh!... Oh!... Que horror!... Que horror!...

      — Sim! Esse sentimento que voto às vezes a dez jovens num só dia, às vezes numa mesma hora, não é amor, certamente. Por minha vida, interessantes senhores, meus pensamentos nunca têm damas; porque sempre têm damas; eu nunca amei... eu não amo ainda... eu não amarei jamais.

      — Ah!... Ah!... Ah!... E como ele diz aquilo!

      — Ou, se querem, precisarei melhor o meu programa sentimental; lá vai: afirmo, meus senhores, que meu pensamento nunca se ocupou, não se ocupa, nem se há de ocupar de uma mesma moça durante quinze dias.

      — E eu afirmo que segunda-feira voltarás da ilha de... loucamente apaixonado de alguma de minhas primas.

      — Pode bem suceder que de ambas.

      E que todo resto do ano letivo passarás pela rua de... duas e três vezes por dia, somente com o fim de vê-la.

      — Assevero que não.

      — Assevero que sim.

      — Quem?... Eu?... Eu mesmo passar duas e três vezes por dia por uma só rua por causa de uma moça?... E para quê?... Para vê-ia lançar-me olhos de ternura, ou sorrir-se brandamente quando eu para ela olhar, e depois fazer-me caretas ao lhe dar as costas?... Para que ela chame as vizinhas que lhe devem ajudar a chamar-me tolo, paleta, basbaque e namorador?... Não, minhas belas senhoras da moda! Eu vos conheço!... Amante apaixonado quando vos vejo, esqueço-me de vós, duas horas depois de deixar-vos. Fora disto só queimarei o incenso da ironia no altar de vossa vaidade; fingirei obedecer a vossos caprichos e somente zombarei deles. Ah! ... Muitas vezes, alguma de vós, quando me ouve dizer: "Sois encantadora", está dizendo consigo: "Ele me adora", enquanto eu digo também comigo: "Que vaidosa!"

      — Que vaidoso!... te digo eu, exclamou Filipe.

      — Ora, esta não é má!... Então vocês querem governar o meu coração?...

      — Não; porém eu torno a afirmar que tu amarás uma de minhas primas durante todo o tempo que for da vontade dela.

      — Que mimos de amor que são as primas deste senhor!

      — Eu te mostrarei.

      — Juro que não.

      Aposto que sim.

      — Aposto que não.

      — Papel e tinta: escreva-se a aposta.

      — Mas tu me dás muita vantagem, e eu rejeitarei a menor. Tens apenas duas primas: é um número de feiticeiras muito limitado. Não sejam só elas as únicas magas que em teu favor invoquem para me encantar: meus sentimentos ofendem, talvez, a vaidade de todas as belas; todas as belas, pois, tenham o direito de te fazer ganhar a aposta, meu valente campeão do amor constante!

      — Como quiseres, mas escreve.

      — E quem perder?...

      — Pagará a todos nós um almoço no Pharoux, disse Fabrício.

      Qual almoço! acudiu Leopoldo. Pagará um camarote no primeiro drama novo que representar o nosso João Caetano.

      — Nem almoço, nem camarote, concluiu Filipe; se perderes, escreverás a história da tua derrota; e se ganhares, escreverei o triunfo da tua inconstância.

      — Bem, escrever-se-á um romance, e um de nós dois, o infeliz, será o autor.

      Augusto escreveu primeira, segunda e terceira vez o termo da aposta; mas depois de longa e vigorosa discussão, em que qualquer dos quatro falou duas vezes sobre a matéria, uma para responder e dez ou doze pela ordem; depois de se oferecerem quinze emendas e vinte artigos aditivos, caiu tudo por grande maioria, e entre bravos, apoiados e aplausos, foi aprovado, salva a redação, o seguinte termo:

      "No dia 20 de julho de 18... na sala parlamentar da casa n° ... da rua de..., sendo testemunhas os estudantes Fabrício e Leopoldo, acordaram Filipe e Augusto, também estudantes, que, se até o dia 20 de agosto do corrente ano, o segundo acordante tiver amado a uma só mulher durante quinze dias ou mais, será obrigado a escrever um romance em que tal acontecimento confesse; e, no caso contrário, igual pena sofrerá o primeiro acordante. Sala parlamentar, 20 de julho de 18... Salva a redação".

      Como testemunhas — Fabrício e Leopoldo.

      Acordantes — Filipe e Augusto.

      E eram oito horas da noite quando se levantou a sessão.

      Capítulo II: Fabrício em apuros

      A cena que se passou teve lugar numa segunda-feira.

      Já lá se foram quatro dias: hoje é sexta-feira, amanhã será sábado, não um sábado como outro qualquer, mas um sábado véspera de Sant’Ana.

      São dez horas da noite; os sinos tocaram a recolher. Augusto está só, sentado junto de sua mesa, tendo diante de seus olhos seis ou sete livros, papéis, pena e toda essa série de coisas que compõem a família do estudante.

      É inútil descrever o quarto de um estudante: aí nada se encontra de novo. Ao muito acharão uma estante, onde ele guarda os seus livros, um cabide, onde pendura a casaca, o moringue, o castiçal, a cama, uma até duas canastras de roupa, o chapéu, a bengala e a bacia, a mesa, onde escreve e que só apresenta de recomendável a gaveta cheia de papéis, de cartas de família, de flores e fitinhas misteriosas: é pouco mais ou menos assim o quarto de Augusto.

      Agora ele está só. Às sete horas, desse quarto saíram três amigos: Filipe, Leopoldo e Fabrício. Trataram da viagem para a ilha de... no dia seguinte e retiraram-se descontentes, porque Augusto não se quis convencer de que deveria dar um ponto na clínica para ir com eles ao amanhecer. Augusto tinha respondido: Ora vivam! Bem basta que eu faça gazeta na aula de partos; não vou senão às dez horas do dia.

      E, pois despediram-se amuados. Fabrício queria ainda demorar-se e mesmo ficar com Augusto, mas Leopoldo e Filipe o levaram consigo à força. Fabrício fez-se acompanhar do moleque que servia Augusto, porque, dizia ele, tinha um papel de importância a mandar.

      Eram dez horas da noite, e nada de moleque. Augusto via-se atormentado pela fome, e Rafael, o seu querido moleque, não aparecia... o bom Rafael, que era ao mesmo tempo o seu cozinheiro, limpa-botas, cabeleireiro, moço de recados e... e tudo mais que as urgências mandavam que ele fosse.

      Com justa razão, portanto, estava cuidadoso Augusto, que de momento a momento exclamava:

      Vejam isto! ... Já tocou a recolher e Rafael está ainda na rua! Se cai nas unhas de algum beleguim, não é decerto o sr. Fabrício quem há de pagar as despesas da Casa de Correção... Pobre do Rafael! Que cavaco não dará quando lhe raparem os cabelos!

      Mas neste momento ouviu-se tropel na escada... Era Rafael, que trazia uma carta de Fabrício, e que foi aprontar o chá, enquanto Augusto lia a carta. Ei-la aqui:

      "Augusto. Demorei o Rafael porque era longo o que tenho de escrever-te. Melhor seria que eu te falasse, porém bem viste a impertinência de Filipe e Leopoldo. Felizmente, acabam de deixar-me. Que macistas!... Principio por dizer-te que te vou pedir um favor, do qual dependerá o meu prazer e sossego na ilha de... Conto com a tua amizade, tanto mais que foram os teus princípios que me levaram aos apuros em que ora me vejo. Eis o caso".

      Tu sabes, Augusto, que, concordando com algumas de tuas opiniões a respeito de amor, sempre entendi que uma namorada é traste tão essencial ao estudante, como o chapéu com que se cobre ou o livro com que estuda. Concordei mesmo algumas vezes em dar batalha a dois e três castelos a um tempo; porém tu não ignoras que a semelhante respeito estamos discordes no mais: tu és ultra-romântico e eu ultraclássico.

      O