Obras Completas de Luis de Camões, Tomo III. Luis de Camoes

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Название Obras Completas de Luis de Camões, Tomo III
Автор произведения Luis de Camoes
Жанр Зарубежные стихи
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Издательство Зарубежные стихи
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que criei de pequena

      A vista a quanto padece,

      Desta sorte m'acontece,

      Que não me faz mal a pena,

      Senão quando me fallece.

      Quem da doença Real

      De longe enfêrmo se sente,

      Por segredo natural

      Fica são vendo somente

      Hum volatil animal.

      Do mal, que Amor em mi cria,

      Quando aquella Phenix vejo,

      São de todo ficaria;

      Mas fica-me hydropesia,

      Que quanto mais, mais desejo.

      Da vibora he verdadeiro,

      Se a consorte vai buscar,

      Qu'em se querendo juntar,

      Deixa a peçonha primeiro,

      Porque lh'impede o gerar.

      Assi quando m'apresento

      Á vossa vista inhumana,

      A peçonha do tormento

      Deixo á parte, porque dana

      Tamanho contentamento.

      Querendo Amor sustentar-se,

      Fez huma vontade esquiva

      D'huma estatua namorar-se:

      Despois, por manifestar-se,

      Converteo-a em mulher viva.

      De quem m'irei eu queixando,

      Ou quem direi que m'engana

      Se vou seguindo e buscando

      Huma imagem, que d'humana

      Em pedra se vai tornando?

      D'huma fonte se sabía,

      Da qual certo se provava

      Que quem sôbre ella jurava,

      Se falsidade dizia,

      Dos olhos logo cegava.

      Vós, que minha liberdade,

      Senhora, tyrannizais,

      Injustamente mandais,

      Quando vos fallo verdade,

      Que vos não possa ver mais.

      Da palma s'escreve e canta

      Ser tão dura e tão forçosa,

      Que pêzo não a quebranta,

      Mas antes, de presunçosa,

      Com elle mais se levanta.

      Co'o pêzo do mal que dais,

      A constancia qu'em mi vejo,

      Não somente ma dobrais,

      Mas dobra-se meu desejo,

      Com qu'então vos quero mais.

      Se alguem os olhos quizer

      Ás andorinhas quebrar,

      Logo a mãe, sem se deter,

      Huma herva lhe vai buscar

      Que lhes faz outros nascer.

      Eu que os olhos tenho attento

      Nos vossos, qu'estrellas são,

      Cegão-se os do entendimento,

      Mas nascem-me os da razão

      De folgar com meu tormento.

      Lá para onde o sol sahe,

      Descobrimos, navegando,

      Hum novo rio admirando,

      Que o lenho que nelle cahe,

      Em pedra se vai tornando.

      Não s'espantem disto as gentes;

      Mais razão será qu'espante

      Hum coração tão possante,

      Que com lagrimas ardentes

      Se converte em diamante.

      Póde hum mudo nadador

      Na linha e cana influir

      Tão venenoso vigor,

      Que faz mais não se bulir

      O braço do pescador.

      Se começão de beber

      Deste veneno excellente

      Meus olhos, sem se deter,

      Não se sabem mais mover

      A nada que se apresente.

      Isto são claros sinais

      Do muito qu'em mi podeis:

      Nem podeis desejar mais;

      Que se ver-vos desejais,

      Em mi claro vos vereis.

      E quereis ver a que fim

      Em mi tanto bem se pôs?

      Porque quiz Amor assim,

      Que por vos verdes a vós,

      Tambem me visseis a mim.

      Dos males que m'ordenais,

      Qu'inda tenho por pequenos,

      Sabei, se mos escutais,

      Que ja não sei dizer mais,

      Nem vós podeis saber menos.

      Mas ja que a tanto tormento

      Não se acha quem resista,

      Eu, Senhora, me contento

      De terdes meu soffrimento

      Por alvo de vossa vista.

      Quantos contrarios consente

      Amor, por mais padecer!

      Que aquella vista excellente,

      Que me faz viver contente,

      Me faça tão triste ser!

      Mas dou este entendimento

      Ao mal, que tanto m'offende,

      Como na vela s'entende,

      Que se se apaga co'o vento,

      Co'o mesmo vento se accende.

      Exprimentou-se algum'hora

      D'ave, que chamão Camão,

      Que se da casa, onde mora,

      Vê adúltera senhora,

      Morre de pura paixão.

      A dor he tão sem medida,

      Que remedio lhe não val.

      Mas oh ditoso animal,

      Que póde perder a vida,

      Quando vê tamanho mal!

      Nos gôstos de vos querer

      Estava agora enlevado,

      Se não fôra salteado

      Das lembranças de temer

      Ser por outrem desamado.

      Estas suspeitas tão frias,

      Com que o pensamento sonha,

      São assi como as harpias,

      Que as mais doces iguarias

      Vão converter em peçonha.

      Faz-me este mal infinito

      Não poder ja mais dizer,

      Por não vir a corromper

      Os gostos que tenho escrito,

      Co'os males qu'hei d'escrever.

      Não quero que s'apregôe

      Mal tanto para encobrir,

      Porque em quanto aqui s'ouvir

      Nenhuma