Obras Completas de Luis de Camões, Tomo III. Luis de Camoes

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Название Obras Completas de Luis de Camões, Tomo III
Автор произведения Luis de Camoes
Жанр Зарубежные стихи
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Издательство Зарубежные стихи
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vir, pela alma que tinha;

      Enganou-me; tinha a minha;

      Deo-lhe pouco de perdella.

      A vida gasto apos ella,

      Porque ma dá, se promette,

      Mas tira-ma, quando mente.

      Má, mentirosa, malvada,

      Dizei, porque me mentis?

      Prometteis, e então fugis?

      Pois sem tornar, tudo he nada.

      Não sois bem aconselhada;

      Que quem promette, se mente,

      O que perde não o sente.

      Tudo vos consentiria

      Quanto quizesseis fazer,

      Se este vosso prometter

      Fosse por me ter hum dia.

      Todo então me desfaria

      Com gôsto; e vós de contente,

      Zombarieis de quem mente.

      Mas pois folgais de mentir,

      Promettendo de me ver,

      Eu vos deixo o prometter,

      Deixae-me vós o servir:

      Haveis então de sentir

      Quanto a minha vida sente

      O servir a quem lhe mente.

      Catharina me mentio

      Muitas vezes, sem ter lei,

      E todas lhe perdoei

      Por huma só que cumprio.

      Se como me consentio

      Fallar-lhe, o mais me consente,

      Nunca mais direi que mente.

– oOo —MOTE

      A alma, qu'está offrecida

      A tudo, nada lhe he forte;

      Assi passa o bem da vida,

      Como passa o mal da morte.

Volta

      De maneira me succede

      O que temo, e o que desejo,

      Que sempre o que temo, vejo,

      Nunca o que a vontade pede.

      Tenho tão offerecida

      Alma e vida a toda a sorte,

      Que isso me dera da morte,

      Como ja me dá da vida.

– oOo —MOTE

      Ferro, fogo, frio e calma,

      Todo o mundo acabarão;

      Mas nunca vos tirarão,

      Alma minha, da minha alma.

Volta

      Não vos guardei, quando vinha,

      Em tôrre, fôrça, ou engenho;

      Que mais guardada vos tenho

      Em vós, que sois alma minha.

      Alli nem frio, nem calma,

      Não podem ter jurdição;

      Na vida sim, porém não

      Em vós que tenho por alma.

– oOo —MOTE

      Esperei, ja não espero

      De mais vos servir, Senhora;

      Pois me fazeis cada hora

      Tanto mal, que desespéro.

Volta

      Pois sei certo que folgais,

      Quando mais mal me fazeis,

      E que nunca descansais,

      Senão quando me mostrais

      Quão pouco bem me quereis;

      Servir-vos mais não espero

      Pois meu viver empeora

      Com me fazerdes, Senhora,

      Tanto mal, que desespéro.

– oOo —MOTE

      Descalça vai para a fonte

      Leonor pela verdura;

      Vai formosa, e não segura.

Voltas

      Leva na cabeça o pote,

      O testo nas mãos de prata,

      Cinta de fina escarlata,

      Sainho de chamalote:

      Traz a vasquinha de cote,

      Mais branca que a neve pura;

      Vai formosa, e não segura.

      Descobre a touca a garganta,

      Cabellos de ouro entrançado,

      Fita de côr d'encarnado,

      Tão linda que o mundo espanta:

      Chove nella graça tanta,

      Que dá graça á formosura;

      Vai formosa, e não segura.

– oOo —MOTE

      Quem disser que a barca pende,

      Dir-lhe-hei, mana, que mente.

Voltas

      Se vos quereis embarcar,

      E para isso estais no caes,

      Entrae logo: que tardaes?

      Olhae qu'está preamar:

      E se outrem, por vos fretar,

      Vos disser qu'esta que pende,

      Dir-lhe-hei, mana, que mente.

      Esta barca he de carreira;

      Tẽe seus apparelhos novos:

      Não ha como ella outra em Povos

      Boa de leme, e veleira:

      Mas, se por ser a primeira,

      Vos disser alguem que pende,

      Dir-lhe-hei, mana, que mente.

– oOo —MOTE

      Com razão queixar-me posso

      De vós, que mal vos queixais;

      Pois, Senhora, vos sangrais,

      Que seja n'hum corpo vosso.

Voltas

      Eu para levar a palma,

      Com que ser vosso mereça,

      Quero que o corpo padeça

      Por vós, que delle sois alma.

      Vós do corpo vos queixais,

      Eu queixar-me de vós posso,

      Porque, tendo hum corpo vosso,

      Na minha alma vos sangrais.

      E sem fazer differença

      No que de mi possuis,

      Pelo pouco que sentis,

      Dais á minh'alma doença.

      Porque dous aventurais?

      Oh não seja o damno nosso!

      Sangre-se este corpo vosso,

      Porque, minha alma, vivais.

      E inda, se attentardes bem,

      Seguis medicina errada,

      Porque para ser sangrada

      Hum'alma sangue não tem.

      E pois em mi sarar posso

      Males, que á minha alma dais,

      Se