A Revolução Portugueza: O 31 de Janeiro (Porto 1891). Abreu Francisco Jorge de

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Название A Revolução Portugueza: O 31 de Janeiro (Porto 1891)
Автор произведения Abreu Francisco Jorge de
Жанр Историческая литература
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governo de muito peso, pois que a acção dos makololos, quer tivessem ou não tomado a offensiva, fôra unicamente determinada pelo desejo de proteger o seu territorio contra a invasão dos portuguezes». A questão attingia, evidentemente, a sua phase aguda. O Times, referindo-se-lhe, dizia que, se a Inglaterra não tomasse promptas providencias «para apagar a impressão causada pelas incursões do major Serpa Pinto, toda a região dos Lagos Africanos se incendiaria; os makololos tinham visto a Inglaterra grosseiramente ultrajada; era necessario que a vissem reivindicar claramente a sua honra». Por outro lado, o governo portuguez, desejoso, sem duvida, de attenuar um pouco a irritação que o da Grã-Bretanha denunciara na nota de 5 de janeiro, havia ordenado a Serpa Pinto que recolhesse á metropole. Mas nem com isso o colosso amorteceu a pancada.

      O sr. Barros Gomes tentou então propôr a suspensão temporaria de qualquer procedimento e submetter o litigio ao exame e decisão d'uma conferencia internacional. Trabalho inutil. Á nota do dia 8 d'aquelle mez, em que o sr. Barros Gomes lamentava que a Inglaterra nunca tivesse reconhecido o direito historico constantemente affirmado por Portugal aos territorios do Chire e do Nyassa, a essa nota, o ministro Petre respondeu no dia 10 com um memorandum– guarda avançada da exigencia formal. «O governo britannico, frisava esse documento, precisa saber se foram ou não enviadas instrucções rigorosas ás auctoridades portuguezas em Moçambique com referencia aos actos de força e ao exercicio de jurisdicção que ali subsistem actualmente». E, quasi sem dar tempo a que a sr. Barros Gomes digerisse o tom comminatorio do memorandum, o ministro Petre entregou-lhe o famoso ultimatum concebido n'estes termos:

      O governo de sua magestade britannica não pode acceitar como satisfatorias ou sufficientes as seguranças dadas pelo governo portuguez, taes como as interpreta. O consul interino de sua magestade em Moçambique telegraphou, citando o proprio major Serpa Pinto, que a expedição estava ainda occupando o Chire e que Kalunga e outros logares mais no territorio dos makololos iam ser fortificados e receberiam guarnições. O que o governo de sua magestade deseja e em que insiste é no seguinte:

      Que se enviem ao governador de Moçambique instrucções telegraphicas immediatas para que todas e quaesquer forças militares actualmente no Chire e nos paizes dos makololos e mashonas se retirem. O governo de sua magestade entende que sem isto as seguranças dadas pelo governo portuguez são illusorias.

      Mr. Petre ver-se-ha obrigado, á vista das suas instrucções, a deixar immediatamente Lisboa com todos os membros da sua legação, se uma resposta satisfatoria á precedente intimação não fôr por elle recebida esta tarde; o navio de sua magestade «Enchantress» está em Vigo esperando as suas ordens.

      O ultimatum tinha a data de 11 de janeiro. No mesmo dia o sr. Barros Gomes entregava ao ministro inglez a resposta. Não a transcrevemos na integra, dada a sua extensão. Registem-se comtudo os seus pontos essenciaes. Abria pela declaração infantil de que o governo portuguez julgava ter, com a sua nota do dia 8, satisfeito «por inteiro quanto d'elle reclamava o de sua magestade britannica; antecipando-se á segurança d'uma justa reciprocidade, que devia constituir o natural preliminar das suas resoluções, apressara-se a enviar para Moçambique as ordens mais terminantes no sentido de fazer respeitar desde logo, em toda a provincia, o compromisso tomado, no intuito de facilitar a realisação d'um accordo com a Grã-Bretanha, pelo qual o governo portuguez sempre pugnara». A resposta do sr. Barros Gomes fechava assim:

      Na presença d'uma ruptura imminente de relações com a Grã-Bretanha e de todas as consequencias que d'ella poderiam talvez derivar-se, o governo de sua magestade resolveu ceder ás exigencias recentemente formuladas e, resalvando por todas as formas os direitos da corôa de Portugal nas regiões africanas de que se trata, protestando bem assim pelo direito que lhe confere o artigo 12.º do Acto Geral de Berlim, de ver resolvido definitivamente o assumpto em litigio por uma mediação ou pela arbitragem, o governo de sua magestade vae expedir para o governador geral de Moçambique as ordens exigidas pela Grã-Bretanha. Aproveito a occasião para renovar a v. ex.ª as seguranças da minha alta consideração.

      Resumindo: se a intimação era cathegorica, e a ameaça do governo inglez resumava inilludivelmente o proposito de vexar, de humilhar o pequeno paiz ao qual ella se dirigia, a resposta não podia ser mais subserviente, apesar do fraco esboço de protesto com apoio no direito internacional consignado nas ultimas linhas do documento. Ao pontapé vibrado impiedosamente pela Inglaterra, Portugal offerecia uma curvatura de espinha só propria d'um lacaio… Custa dizel-o sem disfarce, mas é a verdade.

      A noticia do ultimatum foi divulgada em Lisboa poucas horas depois do sr. Barros Gomes a ter recebido. No dia 12 de manhã, um jornal dos de maior circulação exclamava, em typo graúdo, no logar mais saliente da sua primeira pagina:

      «O governo inglez, o philantropico e honesto governo inglez, recorreu, emfim, ao argumento que lhe é usual nas discordias com os povos pequenos. Recorreu ao argumento da força! O governo portuguez recebeu uma intimação formal: ou dá promptas satisfações, n'um curto praso, que deveria ter terminado ás 2 horas da manhã de hoje, ou marcha sobre Lisboa a poderosa esquadra que está reunida em Gibraltar, com ordem de bombardear a capital de Portugal! Lisboa, a nossa querida e formosissima Lisboa, bombardeada pelos canhões da Inglaterra! A cidade de onde partiram os descobridores audazes que deram ao mundo – e no mundo mais que a nenhum outro povo, ao povo britannico – a America prodigiosa, e essa Asia, onde a Inglaterra tem o seu grande imperio, e essa Africa, por um ponto insignificante da qual se levanta o presente conflicto – a cidade dos navegadores heroicos e generosos, destruida a tiros de peça pelos couraçados da nação colonial por excellencia! É phantasticamente horrivel!

      «Que respondeu o governo? Salvou a sua honra, ou salvou a historia d'esta immensa vergonha, e Lisboa d'esta immensa catastrophe? Nada podemos averiguar. O ministerio esteve reunido até alta noite e do que decidiu só hoje, provavelmente, haverá conhecimento. A hora não é de recriminações. Aguardemos com serenidade e com firmeza o que o destino, a imprevidencia dos homens e a rapacidade d'uma nação egoista e desalmada nos preparam n'este momento solemne da nossa historia!»

      Estava lançado o rebate. O povo, a genuina massa do povo, não tardaria a entrar em scena, manifestando-se por uma fórma até então desconhecida pelos serventuarios da monarchia – explodindo indignação e sincero patriotismo. O partido republicano, firmando-se n'esse impulso da opinião, adquiria novo alento e preparava-se para ulteriores trabalhos de propaganda, mais forte, melhor orientada e, sobretudo, de maior efficacia.

      CAPITULO V

      O protesto contra o "ultimatum" echoa de norte a sul do paiz

      O domingo 12, isto é, o dia immediato ao da recepção do ultimatum, consagrou-o a população lisboeta a commentar o acontecimento. Uma parte da imprensa, fazendo o resumo do conflicto diplomatico que desfechara na affronta despedida pela Grã-Bretanha, accrescentava que, emquanto o ministro inglez sr. Petre entregava a intimação formal ao sr. Barros Gomes, este recebia do governador de Cabo Verde um telegramma communicando-lhe que entrara no porto de S. Vicente com carta de prego um cruzador britannico; o nosso consul em Gibraltar avisava-o, por seu turno, de que a esquadra do Canal lá estava concentrada, prompta ao primeiro aviso; o consul em Zanzibar tambem telegraphava participando a sahida para as costas de Moçambique de dez navios de guerra inglezes, acompanhados de um transporte com carvão e mantimentos. Perante esta situação, o governo consultara o conselho de Estado, que reunira sob a presidencia do rei D. Carlos. No conselho tinham votado pela satisfação ás exigencias da Inglaterra os srs. Barjona de Freitas, José Luciano de Castro, conde de S. Lourenço, Barros Gomes e João Chrysostomo. O sr. Antonio de Serpa manifestára-se pela arbitragem e por que só fossem mandadas retirar as forças portuguezas do Chire depois da Inglaterra a acceitar.

      Á tarde, apesar da excitação popular já ser bem visivel, o rei D. Carlos exhibiu-se em passeio na Avenida da Liberdade e seu irmão o infante D. Affonso percorreu á desfilada varios pontos da cidade, mostrando-se um e outro completamente alheiados do facto que enlutára a nação. Ao começo da noite formaram-se grupos numerosos no Rocio e como do Colyseu da rua da Palma sahisse, em certa altura, um cortejo de patriotas que soltavam calorosos vivas á nação, ao exercito e á imprensa e morras ao governo e á Inglaterra, os grupos addicionaram-se-lhes e uma