Название | Apaixonadamente Desconcertante |
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Автор произведения | Diana Silva |
Жанр | Языкознание |
Серия | |
Издательство | Языкознание |
Год выпуска | 0 |
isbn | 9788419300300 |
Ultimamente, o silêncio é cada vez mais uma constante. Mesmo durante o dia, as ruas estão quase desertas. As conversas de café onde, normalmente, imperavam os comentários sobre as notícias do dia, as lamentações e as gargalhadas ocasionais, aos poucos, foram substituídas pelo silêncio e pelo cruzar de braços. Nos passeios, os olhares vivos e alegres passaram a direcionar-se para o chão, como que vencidos pelo cansaço e algum desalento. Os sorrisos? Esses, já não os conseguimos ver, tapados pelas máscaras, que se impõem.
“Temos de nos adaptar aos novos tempos!”, insisto com a minha mãe, em cada telefonema diário. “Tem cuidado, filha!”, aconselha-me ela, sem saber mais o que dizer, como se essa frase lhe transmitisse a sensação de dever cumprido. “Mãe, adaptação não significa falta de responsabilidade!”, respondo, sentindo uma ponta de julgamento. Acabando, no final, por reconhecer que, provavelmente, era eu quem poderia estar a ajuizar.
A verdade é que, a grande maioria das pessoas ainda mantém a crença do apego e a convicção do domínio. O medo de verem partir aqueles que amam, o anseio de perderem aquilo que adquiriram e que pensam que possuem, o temor de ficarem sós...Crenças que geram nas pessoas um determinado conjunto de atitudes e comportamentos que as afastam da sua essência, distanciando-se do apenas SER.
São criadas ansiedades desnecessárias que, por sua vez, proporcionam o encapsulamento da alma. As pessoas tornam-se prisioneiras dos seus próprios medos e, como consequência, da necessidade de controlar. Muitos acreditam que tendo determinados cuidados, correspondendo às expectativas alheias e cumprindo direitinho o que a Sociedade lhes impõe, que tudo vai correr bem e que serão felizes para sempre! Bastante irónico, não?
Tendo em conta que, de um dia para o outro, ou numa fração de minuto, podem perder tudo, chegando, rapidamente, à conclusão de que o controlo, afinal, não servia para nada, era apenas uma fantasia, uma mera ilusão...
Efetivamente, a única verdade absoluta é a impermanência!
Já amanheceu e, aqui em casa, ao fim-de-semana é hábito acordar tarde. É meio-dia e a Ariel ainda dorme “enrolada” no edredão branco, como se fosse uma crisálida.
O Simão mantém a porta fechada e o quarto num escuro cerrado, como se ainda fosse de madrugada.
Partilhamos a casa com os nossos gatos. A Grey, uma gata cautelosa, independente e tranquila, de olhos azuis e de pelo grisalho. O Billy é um gato preto e branco, relaxado, irrequieto e mimado.
Dois adolescentes na flor da idade, uma mãe quase bipolar e um gato e uma gata, que ora se amam ora se odeiam e que, muitas vezes, devem julgar que estão no meio da selva ou na savana africana...não preciso de dizer muito, para se perceber que aqui não há monotonia.
— Ariel! – chamo, enquanto abro os estores, para ela perceber que já é bem de dia. – Bom dia! Sabes que horas são, menina?
Bato à porta do Simão, entro na escuridão e faço clarear o quarto o mais depressa possível.
— Acorda miúdo! Já é tarde!
A minha filha Ariel tem 13 anos, menina rebelde, refilona, mas muito sensível e discreta. Tem um sentido de humor muito próprio e ambiciona ser atriz ou encenadora.
O meu filho Simão já tem 18 anos, pensa que sabe tudo e tem a pretensão de ser o “homem da casa”. É um rapaz descontraído, inteligente e sabe bem o que quer.
Abro a porta da varanda e, finalmente, o sol aparece envergonhado, por entre algumas nuvens. Tão bom! Depois de uns dias de nevoeiro e chuva, sabe mesmo bem!
Recostei-me na cadeira branca almofadada e bebi um café bem longo e quente.
Seguiu-se um duche rápido. Estava preparada para a primeira caminhada do dia.
Lembrei-me, novamente, dos avisos da minha mãe...
— Filha, se saíres à rua, só meia hora e de máscara! – dizia cautelosamente, do outro lado do telefone, já pela décima vez.
— Deves pensar que sou uma estouvada! – retorquia, como se viajasse no tempo até à rebeldia da minha adolescência.
“Mesmo que me aposse das asas da aurora, e se for morar nos confins do mar, mesmo aí, a Vossa mão me conduz e a Vossa dextra me segura.”
Salmos, 139: 9
Não saí de casa, sem antes ligar à Mel, a minha melhor amiga. Hoje foi o seu último dia de Isolamento por ter contraído Coronavírus. A voz dela denunciava francas melhoras, estava com uma ótima energia e começava a querer voltar à normalidade das suas rotinas.
Finalmente, saí à rua. Vestia leggings pretas, um casaco desportivo e uns ténis brancos. Sentia-me leve e confortável, de paz com a vida, feliz por estar bem e sentir o mundo. Caminhava, calmamente, tentando observar tudo o que me rodeava. Não se via ninguém na rua, passava só um ou outro carro, esporadicamente.
Já há muito que não saía para caminhar. Talvez, por isso, estivesse a valorizar de uma forma tão intensa. Gratidão, era o que sentia!
Olhava para o céu, para os jardins das moradias, contemplava o voo das aves que passavam em bando. Sentia os cheiros que vinham das casas, os aromas dos cozinhados e dos fumos que saiam das chaminés.
Inspirava, profundamente, para absorver as sensações e perceber as emoções que daí advinham.
— Gratidão! – exclamava, silenciosamente.
Regressei, sabia bem chegar a casa, o meu corpo acusava algum cansaço. Assim que fechei a porta, as notificações começaram a dar sinal; comecei a ler as primeiras mensagens...
— Olá, Nina. Como estás? Melhor? – perguntou o meu cabeleireiro.
— Olá, Charlles! Estou melhor, sim! – respondi, radiante.
Uns dias antes, eu tinha feito o teste ao Coronavírus. Recebi o resultado da análise, estava positivo! “Está tudo certo!”, pensei para mim mesma, no sentido de me tranquilizar...
Apesar de sentir sintomas fortes em todo o corpo, não iria desanimar, sabia que iria ficar bem. E depois de uns dias de repouso quase absoluto, bastante vitamina C e de muita paciência, recuperei bem!
“... Tornou, pois, Jesus a dizer-lhes:... Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância...“
João, 10: 10
— Tens um visual novo? Aquela máscara no teu perfil! – continuei a conversa.
— Já estava cansado da minha foto! Já agora, sobre o livro que estás a escrever, é um romance?
— É segredo. – afirmei, misteriosamente. – Não posso dizer-te... depois vês!
— És uma mulher de segredos. Estás em casa? – questionou Charlles.
— Sim, mas vou sair. – rematei, pois já não me apetecia conversar.
— Estou um bocado agitado!
— Então? – questionei, com alguma preocupação.
— Adorava ver-te!
— Deves acalmar-te, Charlles. Fica bem. – despedi- me.
— Ok. Boa campanha! Estás a dar o fora.
Não menti, ia mesmo sair, tinha de ir depositar o lixo.