Mestres da Poesia - Mário de Andrade. Mário de Andrade

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Название Mestres da Poesia - Mário de Andrade
Автор произведения Mário de Andrade
Жанр Языкознание
Серия Mestres da Poesia
Издательство Языкознание
Год выпуска 0
isbn 9783969443712



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novo e brando;

      no ímpeto da carreira,

      perfumar-se e abrandar-se à viração!…

      Partir, com o íntimo esforço, velozmente:

      ver na campina a última leira,

      rasgada pelo último arado,

      aberta a boca mansa, esperar a semente!…

      Partir, ouvindo os passarinhos,

      que despertara a cotovia,

      musicar, lado a lado,

      o êxtase florescido dos caminhos!…

      Ó! como é bom partir, subindo!…

      Sob a palpitação da madrugada fria,

      à ovação triunfal do dia infante e lindo

      ó! como é bom partir subindo!…

      Partir, alimentando um desejo de escol;

      partir, subindo pelo espaço para o sol!…

      Mas na suprema glória de subir,

      sentir

      que as forças vão faltar:

      e retornar de novo para a terra;

      e servir de instrumento numa guerra;

      e rebentar,

      e assassinar!…

      Primavera

      Fora desmantelado,

      quando, golfando pela fauce aberta

      o atestado dos órfãos e das viúvas,

      um grande obus lhe rebentara ao lado…

      No modesto recanto do jardim

      da aldeia miserável e deserta,

      na sua herança má de mudo e eterno,

      estático e sem fim,

      viu, no outono, morrer o sol das chuvas,

      entrajou-se de neve em pleno inverno;

      e agora, à sussurrante primavera

      mostra no beiço o riso do jasmim…

      Converteu-se. Sorriu à natureza;

      perdoou a rabugice ao vento sul;

      e, no êxtase imortal – Santa Teresa

      da primavera – ele olha esperançosamente,

      essa visão seráfica e esplendente,

      a claridade mágica do azul…

      Na culatra soaberta, onde altos estampidos

      gerara a bala estrepitosa e fera,

      fizeram ninho as andorinhas…

      Culatra! – geradora de gemidos,

      geradora de implumes avezinhas!…

      Cobre-lhe uma roseira o desnudo cinismo.

      Tem a benção do luar, nas noites perfumosas.

      Vem ungi-lo às manhãs o sol de abril.

      E o canhão convertido, odorante e gentil,

      na imota unção de seu catolicismo,

      ouve o Te Deum das abelhas sobre as rosas…

      Espasmo

      Ele morre. E tam só! Move-se e chama.

      Quer chamar: sai-lhe a voz quase sumida;

      e pelo esforço, sobre o chão de grama

      jorra mais sangue da ferida…

      Vai morrer… Angustiado, a noite inteira,

      – noite encantada dum estio morno –

      viu o tempo seguir entre as horas caladas;

      nem percebeu a Lua cálida e trigueira,

      com mil clarões afuzilando em torno;

      e o broche colossal das estrelas douradas!

      Olha agora. A alvorada

      começa de brilhar nos longes glabros.

      Perto, galhos de arbustos sonolentos,

      onde a luz se dissolve na orvalhada,

      são como verdes candelabros,

      confortando-lhe os últimos momentos…

      Estira os braços… Os odores,

      em revoada puríssima e louçã,

      sobem, cantantes, multicores,

      cheios da força nova da manhã…

      Ele pudera ouvir, caindo,

      quando o estilhaço lhe rasgara o abdômen,

      as joviais ovações dos seus soldados,

      e, na fugida, os inimigos dizimados,

      e os seus, em fúria, os perseguindo…

      – E não restara um homem.

      Depois, reviu os seus, a procurá-lo,

      – altos lamentos pela noite clara…

      Por pouco o não pisara

      a pata dum cavalo!

      Quis gritar, mas não pôde. E, único gesto

      que abriu, foi um desfiar de lágrimas, silente;

      e, olhos febris, rosto congesto,

      viu seus ulanos

      partirem tristes, tristemente…

      E os passarinhos riem desumanos…

      Sobem aos ares os primeiros hinos,

      num triunfal e transbordante surto;

      e em cima dele, com seus pios cristalinos,

      libra uma cotovia o vôo curto…

      Vai expirar. Já, numa ardência louca,

      sente a sede da febre que o acabrunha…

      Vai expirar… Mas só o estio o testemunha,

      e a abelha matinal que lhe zumbe na boca…

      E Gretchen? a rosada companheira

      de dez meses apenas! e o filhinho

      que está para nascer por esses dias?…

      – Tantas quenturas de lareira!

      tanto aconchego de seu ninho!

      tanto amor! tantas alegrias!…

      Principiavam ao longe os roncos e os estouros…

      Vincou desoladoramente a fronte.

      Morreu sozinho. Mas o sol, lá do horizonte,

      pôs o espasmo da luz nos seus cabelos louros.

      Guilherme

      Ser feliz é ser grande. Imenso de alma,

      inda que o corpo se lhe dobre…

      É alcançar a região etérea e calma,

      onde a alma viva enfim, nua e desimpedida…

      Indiferentemente

      ou sendo rico, ou sendo pobre,

      ser feliz é encontrar no fim da vida,

      de torna-viagem para a povoação,

      a inflexível consciência, e encará-la de frente:

      e ajoelhar para a coroação.

      Ser grande é ser bom. Justo

      na maneira de agir e no discernimento…

      Não é apenas plagiar Alexandre