Название | El ocaso del antiguo régimen en los imperios ibéricos |
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Автор произведения | Margarita Rodríguez |
Жанр | Документальная литература |
Серия | |
Издательство | Документальная литература |
Год выпуска | 0 |
isbn | 9786123173135 |
Alguns anos depois, inimigos em comum seriam, também, os próprios insurgentes do Peru e do Alto Peru, referidos na correspondência entre o representante português em Madri e um dos ministros da Corte do Rio de Janeiro: «[o general Goyeneche] que acaba de chegar de Lima com três meses de viagem, não faz a pintura mais plausível do estado daquelas Provincias, e pinta o Exército de Pezuela na maior desordem, e perdendo gente todos os dias»51. Em seguida, notícias de Lima
[…] pintavam as atrocidades cometidas pelos Insurgentes em La Paz, onde assassinaram barbaramente muitos Europeus, marchando depois para Arequipa, onde a insurreição também tinha sido muito violenta. O General Pezuela destacou porém uma parte da sua força, e conseguiu restabelecer o sossego naquelas Províncias52.
A elevação do Brasil a Reino, unido aos de Portugal e Algarve, estabelecida em 16 de dezembro de 1815, pode ser vista como medida que, ao passo em que procurava equacionar o problema do estatuto das ex-colônias americanas no interior do Império português, objetivava também reforçar a ordem monárquica no continente, em sintonia com a reação legitimista promovida pelo Congresso de Viena e a Santa Aliança, e considerando-se que as presentes circunstâncias já não deixavam dúvida quanto ao caráter revolucionário de muito do que estava em curso nas vizinhanças hispânicas do Brasil53. A Gaceta del Gobierno de Lima publicaria uma carta particular traduzida do Rio de Janeiro a esse respeito, endossando a medida:
[…] salió en esta córte una órden soberana en que declara este príncipe regente á todos estados del Brasil reyno, y de allí en adelante se titula este reyno de Portugal, Brasil y Algarbes &c. Ha sido general la alegría del país por tan sabia resolución, y va empezar estos días unas grandes fiestas costeadas por el pueblo: generalmente se cree que esta familia no saldrá de aquí en mucho tiempo54.
Poucos dias antes, a mesma Gaceta já havia sido enfática na assertiva de objetivos a envolverem Portugal e Espanha, Brasil e Peru, em torno do combate a inimigos comuns:
Las dos potencias española y lusitana como igualmente interesadas en contener el aparato de rebelión en las Americas, obran de acuerdo: los estrechos vínculos que las unen y los nuevos que han contraído por los matrimonios de nuestro rey y el sr. Infante D. Carlos con sus dos serenísimas infantas serán poderosísimos motivos para prestarse mutuamente quantos auxílios están á sus alcances, á fin de lograr la tranquilidad perturbada en las colonias55.
Além de um diálogo via imprensa, impressos e outros papéis, Brasil, Peru e Alto Peru se comunicavam a respeito de suas situações políticas por fronteiras geográficas. Se entre 1807 e 1811, o comerciante britânico John Mawe considerava o «grande e interessante Rio Tietê» como potencialmente «a grande via de comunicação entre o Rio de Janeiro, Santos e São Paulo e outros lugares, bem como para os importantes distritos de Cuiabá, Mato Grosso, todo o Paraguai, Rio da Prata, Potosí, Chuquisaca, e uma grande parte do Peru» (Mawe, 1978, p. 205), na década de 1810 há vários registros de uma simbiose entre circulação de bens, de gente (como comerciantes, autoridades realistas destituídas, soldados e escravos desertores) e de notícias e ideias entre os dois lados, em fluxos que teciam uma rede a interligar Lima, La Paz, Belém, São Paulo e Rio de Janeiro56. Entre 1808 e 1822, foram registrados 975 ingressos no Rio de Janeiro de estrangeiros, provenientes principalmente de Buenos Aires e Montevidéu, mas também de outras regiões a incluírem «Chiquitos», «Santa Cruz de la Sierra» e «Peru»57. Há que se destacar, ainda, que as pretensões de D. Carlota Joaquina de substituir seu irmão Fernando VII enquanto este permanecesse cativo dos franceses, tornadas públicas a partir de 1808, reverberaram com violência no Peru e no Alto Peru, acirrando animosidades locais e aprofundando um clima de desconfiada incerteza em relação às consequências, para todo o Vice-reino, de sua proximidade geográfica com o Brasil (Just Lleó, 1994, p. 227; Bastos, 2013, pp. 340-349). Assim, ordens emitidas de Lima ao governo fronteiriço da província de Maynas, em 1808, tratavam da necessidade de reforço militar da região «con motivo de la transferencia de la corte de Lisboa al Brasil»58.
Mas nem tudo era animosidade. Em 1816 o fiscal do Peru, em comunicação à Corte de Madri, apregoava possíveis vantagens que a abertura dos portos do Brasil ao comércio mundial, estabelecida em 1808, poderia trazer para a monarquia espanhola, como um maior desenvolvimento econômico de regiões como Maynas59. Na análise de Carlos Augusto Bastos, a postura otimista do funcionário real expressaria que «de modo claro, a experiência luso-americana sinalizava as possibilidades para as fronteiras da América espanhola, e particularmente para Maynas»; no entanto, a mesma postura não ignorava os riscos daí decorrentes de uma invasão militar portuguesa ao Peru (2013, p. 381).
O aprofundamento dos conflitos políticos no Brasil e no Peru nos anos imediatamente anteriores às formalizações de suas independências ainda costuma ser negligenciado por tradições historiográficas que, contrárias a todas as evidências, insistem nas mitificadoras versões, respectivamente, de uma independência «pacífica» e de outra «concedida»60. A manutenção desse tipo de explicação impede a compreensão dos significados de fenômenos importantes, como as expectativas elaboradas pelo periódico fidelista hispanoperuano El Triunfo de la Nación, que lançaria em junho de 1821 suas «Observaciones sobre los perjuicios que causaria la independencia á las Américas españolas». Para ele,
[…] estas grandes províncias no adoptarian un gobierno republicano, porque la experiencia de Buenos-Ayres y la historia del mundo las ha convencido de que este gobierno no proporciona á los naturales la tranquilidad interior necesaria. (...) La frontera del Brasil exigiria un cuidado particular, porque sería probablemente el teatro de guerras frecuentes: estabelecido en él un soberano, serian continuos los motivos de discórdia por limites, comercio, y miras de estencion, que no sería fácil evitar61.
A expectativa de um conflito aberto denuncia a constituição de um espaço político comum entre Brasil e Peru, em nada refratário a conflitos. E se a fronteira geograficamente contígua entre ambos era motivo de atenção, também o seriam as outras fronteiras descontínuas, que continuavam ativas com a passagem de gente de Lima ao Rio de Janeiro por via marítima. Em junho de 1821, por exemplo, arribou a este porto uma embarcação britânica proveniente de Valparaíso, trazendo a bordo a esposa e outros familiares do vice-rei deposto do Peru, Joaquín de la Pezuela, que já se encontrava em trânsito no Rio de Janeiro, bem como notícias dos acontecimentos no Peru62. Pouco depois, chegaria um brigue de guerra espanhol que transportava, em direção a Cádiz, o marquês de Valombroso e o coronel Antonio Sevara, encarregados pelo governo do Peru de comunicar a situação do Vice-reino ao rei da Espanha63.
Ora, as conexões marítimas entre Peru e Brasil, via Chile, não parecem obedecer, em 1821, a simples necessidade de navegação. Havia, na Corte do Rio de Janeiro e nos espaços públicos de discussão política do Brasil, cada vez mais amplos e politizados, mais do que interesse pelos sucessos da América espanhola: havia verdadeira necessidade dos mesmos, subsídios que eram a atuações políticas que, no Brasil daquele ano, cada vez mais lidavam com a possibilidade concreta de que a América portuguesa seguisse o mesmo curso político da maioria da América espanhola.
As primeiras notícias da independência do Peru parecem ter chegado ao Rio de Janeiro em meados de setembro, e davam conta de Lima conquistada menos pelo emprego direto das armas do que pela carestia e fome64. O Correio Brasiliense, editado mensalmente em Londres desde 1808, e cuja importante circulação em Brasil e em Portugal fornecia abundante notícia e análise a respeito dos acontecimentos da América espanhola, sentenciaria o ocaso irremediável da ordem realista no Peru em outubro, com a publicação de um armistício proposto a San Martín pelo vice-rei La Serna65. A conquista de Lima era acontecimento que, «noticiado ao mesmo tempo em que a revolução do México», segundo o Correio Brasiliense «põe fim à guerra dos Espanhóis na América». E segundo seu editor, «assim terminou de todo a dominação Espanhola nas costas do Mar Pacífico, e ficou selada a independência da América Meridional Espanhola»66.
Ainda em outubro de 1821 —quando da prisão de um inglês que,