Os jesuitas e o ensino. Calógeras João Pandiá

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Название Os jesuitas e o ensino
Автор произведения Calógeras João Pandiá
Жанр Историческая литература
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Издательство Историческая литература
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em Paris da humilde sociedade de conversão dos musulmanos, a transformação dera-se inteira e absoluta, e as Constituições elaboradas pêlo vidente Navarro davam á Companhia sua feição definitiva de congregação catholica educadora e de Ordem militante anti-reformista. O alto ideal que propugnava era a soberania do Papa e da fé catholica.

      Estes titulos houveram sido sufficientes para grangearem posição de destaque no exercito monachal os admiraveis servidores da maior gloria de Deus. Maiores titulos, entretanto, lograram pelos raros dotes no cumprimento de sua missão, dados a época em que surgiram e o partido que abraçaram na lucta, muita vez secular, entre os papas e os concilios.

      Vinha a Europa trabalhada por fermentos de dissolução religiosa. Luther, Calvin e Zwingli, invocando a auctoridade dos Evangelhos contra a doutrina romanista, ao mesmo tempo que, em nome da liberdade humana, affirmavam os direitos da analyse individual, rebellavam-se contra as crenças impostas e contra os abusos e os escandalos correntes na Sé Apostolica. Taes escandalos forneceram o principal elemento de propaganda do novo crédo, por entre populações cansadas de exacções.

      No proprio seio das potencias catholicas existia poderosa corrente reformista, perigosissima mesmo para a inteireza do dogma, pois visavam os novadores sanear a Egreja na cabeça e nos membros, desde o supremo poder pontificio até os ultimos ramusculos da frondosa hierarchia.

      Era a submissão fatal do papado ao predominio conciliar, a pureza da revelação sujeita ás oscillações das maiorias de assembléas deliberantes.

      Tudo fêz a Santa Sé para se oppor a tal descalabro. E si, em 1545, Paulo III cedeu ás reiteradas solicitações de Carlos Quinto, e convocou, em Trento, o grande concilio, do qual devia sair purgado o catholicismo, fixado o dogma e extirpados os abusos, só o fez depois de assegurar-se de auxiliares preciosissimos: os Habsburg, a côrte portuguesa, os Wittelsbach e, acima de tudo, a tropa de escol, que eram os jesuitas. Esses, e esses tão somente, eram inteira e absolutamente dedicados aos intuitos da Curia, emquanto os demais estabeleciam condições.

      No proprio Concilio, e apesar da condemnação preliminar da heresia protestante, muitas sympathias encontrava a Reforma quanto ás Santas Escripturas, ao peccado original, á justificação pêla fé; o Augustinianismo ainda possuia fortes adeptos. Triumphou Lainez, obtendo da assembléa œcumenica a confirmação da doutrina escolastica medieval sôbre a justificação, rechassada a de Santo Agostinho.

      A França e a Allemanha exigiam concessões gravissimas – casamento dos sacerdotes, communhão sob as duas especies, uso da lingua vulgar na liturgia, reforma dos conventos, e, principalmente, reforma do proprio Papado. O Cardeal Morone, diplomata habilissimo, que soube mudar as disposições do Imperador Fernando I, pôde evitar que as exigencias tivessem satisfacção, com grave prejuizo para a unidade da Egreja.

      Expor, sem restricções nem refolhos que os prelados-diplomatas tinham de observar para se não tornar irreductivel a opposição; expor o ponto de vista integral da Curia, do Papa, de seu Geral: a infallibilidade papal, a supremacia absoluta do Summo Pontifice sôbre os bispos, sua superioridade sôbre as potencias terrenas – foi a tarefa do jesuita. Este progamma ecclesiastico-politico Lainez defendeu com singular elevação e videncia, e a Companhia sempre propugnou té o triumpho definitivo no Concilio do Vaticano, em 1870, mais de três seculos depois de inicialmente formulado.

      Desde Trento, Catholicismo e Companhia de Jesus são inseparaveis, estreitamente e indissoluvelmente unidos seculos afora.

      Era fatal a preeminencia dos jesuitas na hierarchia catholica, amigos dos momentos difficeis, defensores abnegados até o sacrificio, heroes de uma lucta sem tregoas a bem da Egreja.

      E si esta era a rota seguida por elles no seio da catholicidade, acção por assim dizer intrinseca, nenhum esfôrço poupavam, antes prodigalisavam seu labor para chamarem á grey as ovelhas desgarradas, e assegurarem o predominio dos principios por elles proprios abraçados e defendidos. E era logica e inevitavel tal orientação, ultimo e definitivo rebento do espirito monachal, em sua lenta evolução, desde os solitarios da Thebaida e os stylitas até a admiravel floração mystica, fraternal e humana, que eram os filhos de Francisco de Assis.

      Facil seria traçar os pontos capitaes dessa curva ascendente, visando os mais altos fins altruistas da salvação das almas e da caridade christã: do eremita, ou da colonia de eremitas, onde se busca a sanctificação individual, ao mosteiro, no qual o amor fraterno se impõe egual ao alvo da perfeição subjectiva.

      O isolamento primitivo dos monges foi dentro em breve substituido por sua progressiva subordinação ás exigencias da Egreja. Primando sôbre tudo, no conceito monachal, o ascetismo tende progressivamente a ceder a primeira plana ás obras praticas de amor ao proximo, de caridade secular. E, em ambas as ordens de idéas, no adoravel Poverello de Assis, encontramos o exemplo que Inigo seguiu com submissão absoluta e intuição genial: na obediencia passiva, que o perinde ac cadaver jesuita copiou literalmente do Santo Stigmatisado; na obra social, que a Companhia de Jesus desenvolveu seguindo o rumo das Ordens mendicantes. Dest'arte, ao clero secular vieram trazer concurrencia formidavel as novas associações monasticas, que dentro em pouco comprehenderam ser sua missão principal a prédica e a salvação das almas.

      A esses meios de agir sôbre a massa dos crentes, accrescentaram os jesuitas a funcção educadora, em grau mais alto e mais perfeito do que seus antecessores, a ponto de serem quatro quintos de seus membros ou professores ou estudantes. O successo de seus methodos pode avaliar-se pêlo numero de alumnos, que, em 1660, Böhmer calcula ter sido de 150.000.

      A Ratio Studiorum do Geral Claudio Aquaviva, redigida em 1599, e antes as regras pedagogicas de Ignacio, resumiam as experiencias do Collegio Romano; não traziam ideal novo de ensino, mas introduziam na escola o que se julgava incarná-lo.

      Além disso, cuidavam os jesuitas muito de polir as maneiras de seus discipulos, afeiçoando-os á vida em meios mais cultos do que o da maioria de seus alumnos. Davam gratuito o ensino. Não sobrecarregavam programmas com os rudimentos de grego, hebraico, arithmetica e geographia, que figuravam na escola protestante; os castigos corporaes eram rarissimos; a doutrina religiosa tambem lhes era extranha, reservada antes ao confissionario.

      Por outro lado, a emulação, talvez levada ao exaggero, e a delação mutua systematisada mantinham em constante exercicio o cerebro dos estudantes. A protecção da Companhia acompanhava seus filhos espirituaes pêla vida afora. Assim, por esse conjuncto de circumstancias e pela superioridade de suas escolas sôbre as demais, até meiados do seculo XVII, foram preferidas pêlas familias catholicas, e mesmo, como o provam os annaes dos collegios, pelos proprios protestantes.

      Orientada a formação intellectual para a uniformidade, para a obediencia ás regras preestabelecidas, é natural que as iniciativas ahi rareassem e que produzissem taes normas a subordinação confissional. O methodo, um dos mais poderosos meios de dominio usados pêla Companhia, perdurou até que, do espirito analysta, brotaram typos pedagogicos mais elevados, que desthronaram aos poucos a escola jesuita.

      A direcção das consciencias na vida real completava a obra iniciada pêla escola.

      Não era usual, até o seculo XVI, a confissão frequente dos fiéis. Só em momentos de grande afflicção, em circumstancias particularmente solennes, se approximavam do tribunal da penitencia. Mas, quando se desenhou a tendencia de fazer do confessor o assistente moral, o conselheiro sempre ouvido do christão, ninguem mais do que Loyola preconisou e fomentou a evolução, na qual via um dos melhores meios de combater o peccado. Dentro em pouco, o jesuita confessor gosou de fama egual á do professor jesuita, e tanto quanto a cathedra e a grammatica latina, diz Böhmer, poderia o confissionario symbolisar a Companhia.

      Extraordinario exito colheram como directores, principalmente pêla indulgencia que revelavam, pêla extrema restricção que impunham ao conceito de peccado mortal, pêlo ambito correspondente que davam á noção de peccado venial, ao complexo de cousas licitas. Dêsse laxismo ao desapparecimento dos sãos principios da moral, havia um passo, facil e rapidamente transposto pelos casuistas; aliás a Ordem, por mais de uma vez, repudiou toda solidariedade com estes ultimos. Mas a area de tolerancia era vasta, e em tempos perturbados como o periodo das guerras de religião, naturalmente preferiam-se os directores de consciencia