Flores do Campo. João de Deus

Читать онлайн.
Название Flores do Campo
Автор произведения João de Deus
Жанр Зарубежная классика
Серия
Издательство Зарубежная классика
Год выпуска 0
isbn



Скачать книгу

uma praia

      Aonde a onda vai ter.

      Tu andas já presentida

      D’essa voz que te convida

      A encetar n’esta vida

      Ai! uma vida melhor…

      E em breve desenganada

      D’essa existencia isolada,

      Darás n’alma franca entrada

      A sentimentos de amor!

      Silves.

      MARINA

      I. APPARIÇÃO

      Como esse olhar é dôce!

      Dôce da mesma sorte

      Como se nunca fosse

      Toldado pela morte:

      Como se alumiasse

      O sol ainda em vida

      As rosas d’essa face…

      Agora carcomida.

      Colhesse-as eu mais cedo

      E logo que alvorece;

      Já não tivesse medo

      Que a terra m’as comesse.

      Mas pura, como a neve

      Que ás vezes cahe na serra,

      É que a nossa alma deve

      Tambem voar da terra.

      Gelasse a morte fria

      A mão profanadora

      Que te ennublasse um dia

      A luz que dás agora.

      É n’essa côr tão linda,

      Rosa da madrugada!

      Que sinto a alma ainda

      Andar-me enfeitiçada.

      Se um dia nos meus braços

      Te desbotasse as côres,

      Passavam os abraços…

      Passavam os amores!

      Oh! não: mil vezes antes

      No céo lá onde habitas,

      E os rapidos instantes

      Que vens e me visitas

      N’este degredo nosso,

      Que tanta gente estima,

      E eu, só porque não posso,

      Não largo e vou lá cima.

      Vem tu cá baixo, abala,

      Deixa em podendo o collo

      Tão terno que te embala,

      E vem-me dar consolo.

      Como essa imagem pura

      Ah! sobrevive ao nada

      E escapa á sepultura,

      Tão fresca e perfumada!

      Nunca uma noite eu deixe

      De estar a vêr que existes,

      Em quanto me não feche

      O somno os olhos tristes.

      E n’esse largo espaço

      Que te não vejo, espero

      Lhe contes o que eu passo

      N’este aspero desterro:

      Que assim que te não veja

      É noite fria e escura,

      Noite que mette inveja

      Á mesma sepultura!

      II. SAUDADE

      Em acordando agora,

      O meu contentamento

      É vêr em cada aurora

      Um dia de tormento!

      Podesse eu dar-te a prova

      Dos dias que me esperam,

      Lançando-me na cova

      Onde elles te pozeram!

      Lançassem-me algum dia

      Ao pé, que de repente

      O coração te havia

      De ainda pular quente…

      A face cobrar logo

      A fórma e côr perdida,

      E a bocca toda fogo

      Ah! inspirar-me a vida!

      Supplíca, ó anjo! implora

      Ao Pai universal

      Que me deixe ir embora

      D’este horroroso val

      De lagrimas amargas,

      E turvas de tal modo,

      Como umas nuvens largas

      Que tapam o céo todo!

      III. ETERNIDADE

      Inferno e céo, conforme

      A nossa fé, confesso

      Que é um mysterio enorme,

      É um mysterio immenso.

      Mas um mysterio é tudo:

      Folhinha d’herva, e estrella,

      Não ha comprehendêl-a!

      É contemplal-a mudo.

      E a herva, como existe,

      A mim quem m’o diria,

      Se a luz que me alumia

      Nem sabe em que consiste?

      Mas uma coisa sabe

      O que a cabeça ignora

      – O coração… que mora

      Em peito onde não cabe.

      Ha uma luz mais clara

      Que a luz do pensamento:

      A d’essa imagem cara…

      A d’este sentimento!

      IV. … 21 DE SETEMBRO

      Ha uma hora ou mais,

      Marina! que contemplo

      A casa de teus paes

      Que é para mim um templo.

      Está a porta aberta,

      E vejo alumiada

      A parte descoberta

      Da casa da entrada.

      Lá andam a passar

      Do quarto onde acabaste

      Á casa de jantar

      Os vultos, que deixaste.

      Os vultos, que os vestidos

      Tão negros que pozeram,

      De luto, tão compridos,

      Não sei que ar lhes deram!

      A tua bella irmã,

      A tua piedade,

      A rosa da manhã,

      A flôr da mocidade,

      Quem lhe diria a ella,

      Tão cheia de alegria,

      Que haviamos de vêl-a

      Assim já hoje em dia!

      É esta vida um mar,

      E