Mestres da Poesia - Florbela Espanca. August Nemo

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Название Mestres da Poesia - Florbela Espanca
Автор произведения August Nemo
Жанр Языкознание
Серия Mestres da Poesia
Издательство Языкознание
Год выпуска 0
isbn 9783969173480



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se sofre o que se diz é vão...

      Meu coração, tudo, calado ouviste...

      Os meus males ninguém mos adivinha...

      A minha Dor não fala, anda sozinha...

      Dissesse ela o que sente! Ai quem me dera!...

      Os males de Anto toda a gente os sabe!

      Os meus... ninguém... A minha Dor não cabe

      Nos cem milhões de versos que eu fizera!...

      Livro de Sóror Saudade

      Irmã; Sóror Saudade, ah! se eu pudesse

      Tocar de aspiração a nossa vida,

      Fazer do mundo a Terra Prometida

      Que ainda em sonho às vezes me aparece!

      Américo Durão

      II n'a pas à se plaindre celui qui attend

      Un sentiment plus ardent et plus généreux.

      II n'a pas à se plaindre celui qui attend

      Le désir d'un peu plus de bonbeur, d'un

      Peu plus de beauté, d'un peu plus de justice.

       Maeterlinck - La Sagesse et la Destinée

      "Sóror Saudade"

      A Américo Durão

      Irmã, Sóror Saudade me chamaste...

      E na minh'alma o nome iluminou-se

      Como um vitral ao sol, como se fosse

      A luz do próprio sonho que sonhaste.

      Numa tarde de Outono o murmuraste,

      Toda a mágoa do Outono ele me trouxe,

      Jamais me hão de chamar outro mais doce.

      Com ele bem mais triste me tornaste...

      E baixinho, na alma da minh'alma,

      Como bênção de sol que afaga e acalma,

      Nas horas más de febre e de ansiedade,

      Como se fossem pétalas caindo

      Digo as palavras desse nome lindo

      Que tu me deste: "Irmã, Sóror Saudade..."

      O nosso livro

      A A.G.

      Livro do meu amor, do teu amor,

      Livro do nosso amor, do nosso peito...

      Abre-lhe as folhas devagar, com jeito,

      Como se fossem pétalas de flor.

      Olha que eu outro já não sei compor

      Mais santamente triste, mais perfeito

      Não esfolhes os lírios com que é feito

      Que outros não tenho em meu jardim de dor!

      Livro de mais ninguém! Só meu! Só teu!

      Num sorriso tu dizes e digo eu:

      Versos só nossos mas que lindos sois!

      Ah, meu Amor! Mas quanta, quanta gente

      Dirá, fechando o livro docemente:

      "Versos só nossos, só de nós os dois!..."

      O que tu és...

      És Aquela que tudo te entristece

      Irrita e amargura, tudo humilha;

      Aquela a quem a Mágoa chamou filha;

      A que aos homens e a Deus nada merece.

      Aquela que o sol claro entenebrece

      A que nem sabe a estrada que ora trilha,

      Que nem um lindo amor de maravilha

      Sequer deslumbra, e ilumina e aquece!

      Mar-Morto sem marés nem ondas largas,

      A rastejar no chão como as mendigas,

      Todo feito de lágrimas amargas!

      És ano que não teve Primavera...

      Ah! Não seres como as outras raparigas

      Ó Princesa Encantada da Quimera!...

      Fanatismo

      Minh'alma, de sonhar-te, anda perdida.

      Meus olhos andam cegos de te ver.

      Não és sequer razão do meu viver

      Pois que tu és já toda a minha vida!

      Não vejo nada assim enlouquecida...

      Passo no mundo, meu Amor, a ler

      No mist'rioso livro do teu ser

      A mesma história tantas vezes lida!...

      "Tudo no mundo é frágil, tudo passa...

      Quando me dizem isto, toda a graça

      Duma boca divina fala em mim!

      E, olhos postos em ti, digo de rastros:

      "Ah! podem voar mundos, morrer astros,

      Que tu és como Deus: princípio e fim!..."

      Alentejano

      À Buja

      Deu agora meio-dia; o sol é quente

      Beijando a urze triste dos outeiros.

      Nas ravinas do monte andam ceifeiros,

      Na faina, alegres, desde o sol nascente.

      Cantam as raparigas meigamente.

      Brilham os olhos negros, feiticeiros.

      E há perfis delicados e trigueiros

      Entre as altas espigas d'oiro ardente.

      A terra prende aos dedos sensuais

      A cabeleira loira dos trigais

      Sob a bênção dulcíssima dos céus.

      Há gritos arrastados de cantigas...

      E eu sou uma daquelas raparigas...

      E tu passas e dizes: "Salve-os Deus!"

      Que importa?...

      Eu era a desdenhosa, a indif'rente.

      Nunca sentira em mim o coração

      Bater em violências de paixão

      Como bate no peito à outra gente.

      Agora, olhas-me tu altivamente,

      Sem sombra de Desejo ou de emoção,

      Enquanto a asa loira da ilusão

      Dentro em mim se desdobra a um sol nascente.

      Minh'alma, a pedra, transformou-se em fonte;

      Como nascida em carinhoso monte

      Toda ela é riso, e é frescura, e graça!

      Nela refresca a boca um só instante...

      Que importa?... Se o cansado viandante

      Bebe em todas as fontes... quando passa?...

      Fumo

      Longe de ti são ermos os caminhos,

      Longe de ti não há luar nem rosas;

      Longe