Mestres da Poesia - Mário de Andrade. Mário de Andrade

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Название Mestres da Poesia - Mário de Andrade
Автор произведения Mário de Andrade
Жанр Языкознание
Серия Mestres da Poesia
Издательство Языкознание
Год выпуска 0
isbn 9783969443712



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quero ler o aniversário dos reis...

      Honra ao mérito! Os virtusosos hão-de sempre ser louvados

      e retratificados...

      Mais um crime na Moóca!

      Os jornais estampam as aparências

      dos grandes que fazem anos, dos criminosos que fazem

       [danos...

      Os quarenta-graus das riquezas! O vento gela...

      Abandonos! Ideais pálidos!

      Perdidos os poetas, os moços, os loucos!

      Nada de asas! nada de poesia! nada de alegria!

      A bruma neva... Arlequinal!

      Mas viva o Ideal! God save the poetry!

      — Abade Liszt da minha filha monja,

      na Cadillac mansa e glauca da ilusão.

      passa o Oswald de Andrade mariscando gênios entre a multidão!...

      Noturno

      Luzes do Cambuci pelas noites de crime...

      Calor!... E as nuvens baixas muito grossas,

      Feitas de corpos de mariposas,

      Rumorejando na epiderme das árvores...

      Gingam os bondes como um fogo de artifício,

      Sapateando nos trilhos,

      Cuspindo um orifício na treva cor de cal...

      Num perfume de heliotrópios e de poças

      Gira uma flor-do-mal... Veio do Turquestã;

      E traz olheiras que escurecem almas...

      Fundiu esterlinas entre as unhas roxas

      Nos oscilantes de Ribeirão Preto...

      — Batat’ assat'ô furnn!...

      Luzes do Cambuci pelas noites de crime!...

      Calor... E as nuvens baixas muito grossas,

      Feitas de corpos de mariposas,

      Rumorejando na epiderme das árvores...

      Um mulato cor de ouro,

      Com cabeleira feita de alianças polidas...

      Violão. "Quando eu morrer..." Um cheiro pesado de

       [baunilhas

      Oscila, tomba e rola no chão...

      Ondula no ar a nostalgia das Baías...

      E os bondes passam como um fogo de artificio,

      Sapateando nos trilhos,

      Ferindo um orifício na treva cor de cal...

      — Batat' assat’ô furnn!...

      Calor!... Os diabos andam no ar

      Corpos de nuas carregando...

      As lassitudes dos sempres imprevistos!

      E as almas acordando às mãos dos enlaçados!

      Idílios sob os plátanos!...

      E o ciúme universal às fanfarras gloriosas

      De saias cor-de-rosa e gravatas cor-de-rosa!...

      Balcões na cautela latejante, onde florem Iracemas

      Para os encontros dos guerreiros brancos... Brancos?

      E que os cães latam nos jardins!

      Ninguém, ninguém, ninguém se importa!

      Todos embarcam na Alameda dos Beijos da Aventura!

      Mas eu... Estas minhas grades em girândolas de jasmins,

      Enquanto as travessas do Cambuci nos livres

      Da liberdade dos lábios entreabertos!...

      Arlequinal! Arlequinal!

      As nuvens baixas muito grossas,

      Feitas de corpos de mariposas,

      Rumorejando na epiderme das árvores...

      Mas sobre estas minhas grades em girândolas de jasmins,

      O estelário delira em carnagens de luz,

      E meu céu é todo um rojão de lágrimas!...

      E os bondes riscam como um fogo de artifício,

      Sapateando nos trilhos,

      Jorrando um orifício na treva cor de cal...

      — Batat' assat’ô furnn!...

      Paisagem nº 2

      Escuridão dum meio-dia de invernia...

      Marasmos... Estremeções... Brancos...

      O céu é toda uma batalha convencional de confetti brancos;

      e as onças pardas das montanhas no longe...

      Oh! para além vivem as primaveras eternas!

      As casas adormecidas

      parecem teatrais gestos dum explorador do polo

      que o gelo parou no frio...

      Lá para as bandas da Ipiranga as oficinas tossem...

      Todos os estiolados são muito brancos.

      Os invernos de Paulicéia são como enterros de virgem...

      Italianinha, toma al tuo paese!

      Lembras-te? As barcarolas dos céus azuis nas águas

       verdes...

      Verde — cor dos olhos dos loucos!

      As cascatas das violetas para os lagos...

      Primaveral — cor dos olhos dos loucos!

      Deus recortou a alma de Paulicéia

      num cor de cinza sem odor...

      Oh! para além vivem as primaveras eternas!...

      Mas os homens passam sonambulando...

      E rodando num bando nefário,

      vestidas de eletricidade e gasolina,

      as doenças jocotoam em redor.

      Grande função ao ar livre!

      Bailado de Cocteau com os barulhadores de Russolo!

      Opus 1921

      São Paulo é um palco de bailados russos.

      Sarabandam a tísica, a ambição, as invejas, os crimes

      e também as apoteoses da ilusão...

      Mas o Nijinsky sou eu!

      E vem a Morte, minha Karsavina!

      Quá, quá, quá! Vamos dançar o fox-trot da desesperança,

      a rir, a rir dos nossos desiguais!

      Tu

      Morrente chama esgalga,

      Mais morta inda no espírito!

      Espírito de fidalga,

      Que vive dum bocejo entre dois galanteios

      E de longe em longe uma chávena da treva bem forte!

      Mulher mais longa

      Que os pasmos alucinados

      Das torres de São Bento!

      Mulher feita de asfalto e de lamas de várzea,

      Toda insultos nos olhos,

      Toda convite nessa boca louca de rubores!

      Costureirinha de São Paulo,

      Ítalo-franco-luso-brasílico-saxônica,

      Gosto