O recém-chegado estava provavelmente na casa dos trinta, com uma barba curta tão escura como o resto do seu cabelo, e uma estrutura que, ainda assim, o fazia parecer ter força. Ele tinha uma espada curta em cada quadril. Thanos imaginava que não fossem apenas para serem exibidas, a julgar pela forma como as suas mãos pairavam automaticamente perto dos punhos. Pela sua expressão, Thanos achava que ele estava silenciosamente a calcular todos os ângulos presentes na praia, considerando cuidadosamente a possibilidade de uma emboscada, sempre antecipando os acontecimentos. Os olhos dele detiveram-se nos de Thanos, e o sorriso que se seguiu tinha, por detrás, um estranho tipo de humor, como se o seu dono tivesse visto algo no mundo que mais ninguém tinha.
"Foi para ver isto que vocês me trouxeram até aqui?", perguntou ele, quando os dois que tinham encontrado Thanos se chegaram à frente. "Um soldado Imperial a morrer numa armadura demasiado brilhante para si?"
"Um nobre porém", disse o mais velho. "Consegues ver isso pela armadura."
"E ele foi apunhalado pelas costas", o mais jovem salientou. "Pelos seus próprios homens, ao que parece."
"Então ele nem sequer é bom o suficiente para a escumalha que está a tentar tomar a nossa ilha?", perguntou o líder.
Thanos observava enquanto o homem se aproximava, ajoelhando-se ao seu lado. Talvez ele pretendesse terminar o que o Typhoon tinha começado. Nenhum soldado de Haylon teria qualquer amor por aqueles no seu lado do conflito.
"O que é que fizeste para o teu próprio lado te tentar matar?", perguntou o recém-chegado, num tom tão baixo que só Thanos o conseguiu ouvir.
Thanos conseguiu encontrar a força para abanar a cabeça. "Eu não sei." As palavras saíram-lhe entorpecidas. Mesmo se ele não tivesse sido ferido, ele havia estado estendido na areia muito tempo. "Mas eu não queria isto. Eu não queria lutar aqui."
Tal provocou mais um daqueles sorrisos estranhos. Thanos pensava que ele se estava a rir do mundo, apesar de não haver nada para rir.
"E, no entanto, estás aqui", disse o recém-chegado. "Tu não querias fazer parte de uma invasão, mas estás nas nossas praias, em vez de estares seguro em casa. Tu não querias oferecer-nos a violência, mas o exército do Império está a queimar casas enquanto falamos. Sabes o que está acontecer naquela praia?"
Thanos abanou a cabeça. Até aquilo doía.
"Estamos a perder", continuou o homem. "Oh, nós estamos a lutar com todas as nossas forças, mas isso não importa. Não com estas hipóteses. A batalha ainda está ao rubro, mas isso é só porque uma metade do meu lado é demasiado teimosa para reconhecer a verdade. Não temos tempo suficiente para distrações como esta."
Thanos viu o recém-chegado a desembainhar uma das suas espadas. Parecia perversamente afiada. Tão afiada que ele provavelmente não iria sequer senti-la quando ela mergulhasse no seu coração. Em vez disso, porém, o outro homem gesticulou com ela.
"Tu e tu", disse ele aos homens, "tragam o nosso novo amigo. Talvez ele valha alguma coisa para o outro lado", disse ele sorrindo maleficamente. "E se não valer, eu próprio o matarei."
A última coisa que Thanos sentiu foram umas mãos fortes a agarrarem-no por debaixo dos braços, puxando-o para cima, arrastando-o para longe, antes de ele finalmente resvalar novamente para a escuridão.
CAPÍTULO TRÊS
Berin sentia a dor da saudade enquanto ia pelo caminho fora na direção da sua casa em Delos, sendo que pensar na sua família – em Ceres, era a única coisa que lhe dava forças para continuar. Pensar em voltar para a sua filha era o suficiente para ele insistir, mesmo tendo achado que os dias de caminhada eram árduos, em caminhos difíceis com sulcos e pedras, sob os seus pés. Os seus ossos não estavam cada vez mais jovens, e ele já sentia dores nos joelhos por causa da sua jornada, que se somavam às dores que vinham de uma vida passada a martelar e a aquecer metal.
Porém, tudo valia a pena para ver a sua casa novamente. Para ver a sua família. Durante todo o tempo em que Berin tinha estado afastado, era tudo o que ele queria. Ele conseguia imaginá-lo agora. Marita estaria a cozinhar na parte de trás da humilde casa de madeira e o cheiro estaria a flutuar na direção da rua pela porta da frente. Sartes estaria a brincar algures nas traseiras, provavelmente com Nasos a observá-lo, mesmo que o seu filho mais velho estivesse a fingir que não estava.
E, depois, estaria Ceres. Ele amava todos os seus filhos, mas com Ceres tinha sempre havido aquela ligação extra. Ela tinha sido a única a ajudá-lo na forja, aquela que mais tinha tomado o seu lugar, e que parecia ser a que, mais provavelmente, seguiria os seus passos. Deixar Marita e os rapazes tinha sido um doloroso dever, necessário para conseguir sustentar a sua família. Deixar Ceres para trás tinha sido como se ele tivesse abandonado uma parte de si mesmo ao partir.
Agora estava na hora de o recuperar.
Berin apenas desejava levar notícias mais felizes. Ele caminhava ao longo do cascalho que o levava de volta à sua casa, e ele franziu a testa; ainda não era inverno, mas seria em breve. O plano tinha sido ele sair e encontrar trabalho. Os lordes estavam sempre a precisar de cuteleiros para fornecer armas aos seus guardas, às suas guerras, às suas Matanças. No entanto, eles não precisavam dele. Eles tinham os seus próprios homens. Homens mais jovens e fortes. Até mesmo o rei que tinha parecido querer o seu trabalho queria Berin como ele era há dez anos.
O pensamento magoava-o, mas ele sabia que deveria ter calculado que eles não teriam necessidade de um homem com uma barba mais cinza do que preta.
Tal tê-lo-ia magoado mais se não significasse que ele tinha de ir para casa. Para Berin, a sua casa era o que lhe importava, mesmo sendo pouco mais do que um quadrado de paredes de madeira mal serrada, coberta por um telhado de colmo. A sua casa era acerca das pessoas que lá estavam à espera, e pensar nelas era o suficiente para fazê-lo acelerar os seus passos.
No entanto, quando subiu uma colina e a avistou, Berin sabia que algo estava errado. Ficou aterrorizado. Berin sabia como era a sua casa. Apesar de toda a aridez do terreno circundante, a sua casa era um lugar cheio de vida. Havia sempre barulho, quer fosse de alegria ou de discussão. Naquela época do ano, haveria sempre, também, pelo menos algumas culturas a crescerem no terreno à sua volta, com legumes e pequenos arbustos de bagas, coisas resistentes que, pelo menos, produziam sempre alguma coisa para alimentá-los.
Isso não era o que ele via diante de si.
Berin desatou a correr, naquele momento, tanto quanto conseguiu, depois de tanto tempo a caminhar, com a sensação de que algo estava errado a corroê-lo, sentindo como se um dos seus tornos estivesse a apertar o seu coração.
Ele alcançou a porta e abriu-a totalmente. Talvez, pensou ele, estivesse tudo bem. Talvez eles o tivessem visto e estivessem todos apenas a garantir que a sua chegada seria uma surpresa.
Estava escuro lá dentro. As janelas estavam incrustadas com sujidade. E ali estava uma presença.
Marita estava na sala principal, mexendo uma panela que cheirava demasiado a azedo para Berin. Ela virou-se para ele quando ele entrou de rompante. E quando ela se virou, Berin soube que ele tinha razão. Algo estava errado. Algo estava muito errado.
"Marita?", começou ele.
"Marido". Até mesmo a forma seca como ela lhe disse aquilo fê-lo perceber que nada estava como deveria. De todas as outras vezes que ele tinha estado fora, Marita atirava-se para os seus braços quando ele aparecia à porta. Ela parecia sempre que estava cheia de vida. Agora, ela parecia... vazia.
"O que é que está a acontecer aqui?", perguntou Berin.
"Eu não sei o que é que queres dizer com isso." Mais uma vez, houve menos emoção do que deveria ter havido, como se algo na sua esposa se tivesse destruído, deixando toda a alegria sair de si.
"Porque é que tudo por aqui está tão... calmo?", quis saber Berin. "Onde estão os nossos